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Palhaço-Homem

Palhaço Picoly (Uol)

  Vi um palhaço sujo e triste, tão desgraçado quanto um não palhaço, seus olhos não tinham brilho, sua áurea era escura como aquela noite em que eu o observava. Aquele ser era muito infeliz, pintado e fantasiado como um palhaço. Ora! Mas ele era um. Contava concentradamente alguns trocados, na verdade, uns míseros trocados que talvez tivesse conseguido com gargalhadas e piadas imbecis. Mas naquele momento não, naquele momento era um economista, fazia contas, não sabia se o dinheiro daria para o almoço e jantar do dia seguinte. Olhou a sua volta e percebeu que as pessoas já esperavam um show, um circo disponível, algumas crianças olhavam-no com a esperança de serem entrecortadas pelo senhor – palhaço. Oh, mas ele realmente estava cansado, estava muito triste, não conseguiria representar nem mais cinco minutos. Sentou-se. Interrogando-se como chegou até aquele ponto: tornar as pessoas felizes deixando-as rir dele e das suas desgraças. Por um instante ficou confuso, deveriam rir das suas graças e concluiu que todos estavam ocupados demais para perceber isso, e ririam de qualquer coisa, desde que não tomasse muito tempo.

Era notável que aquele palhaço sentia-se desconfortável com aquela peruca amarelada de tão velha, aquelas tintas em seu rosto que aos poucos apagavam sua personalidade, aquela calça de braguilha relaxada. Sentia-se mal, sem utilidade, um estorvo encantador. Ele não via a hora de chegar seu expediente. Todos os dias naquela estação ele batia cartão e permanecia lá até as 07h30min da noite, eu o olhava sempre, aprendi a gostar dele.

Entretanto aquele palhaço-homem era tão profissional que não podia prestar atenção em coisas insignificantes, como eu, ele tinha muitas situações desagradáveis e degradantes para criar e executar, fazendo dessa forma todos rirem. Acostumei-me, pois, com aquela situação, não sentia pena, medo, muito menos graça do exílio daquele homem que se escondia dentro daquele palhaço, ou do palhaço que poderia existir naquele homem, um palhaço, que talvez sentisse vontade de gritar bem alto: “Eu preciso parar, beber um pouco, ouvir uma canção, chorar, porque não consigo mais transmitir alegria”.

Eu podia observar tudo isso através do seu olhar e do seu sorriso forçado, conseguia atingir sua alma mórbida, e admiti, porém, que já fazia parte do que o constituía. Então numa noite ao olhar para as suas palhaçadas empalidecidas e sem som, sofri por não odiá-lo.

É, sempre odiei palhaços, aqueles palhaços de subúrbio, suas brincadeiras sórdidas, pensamentos ínfimos, seres maçantes que me causam repugnância. E os bons palhaços que me desculpem porque também os desprezo. Faço eu minha própria alegria. Mas aquele da estação? Eu o amava! Mais do que podia imaginar, eu amava seu descaso, a sua tristeza, a perseverança de atingir o inatingível, amava seu olhar vazio e estático onde refletia o mundo e suas inadequações. Eu realmente o amava, mesmo sendo feio, frio e fragmentário. Um ser sem começo nem fim, um pedaço de vida que se encaixava na minha.

Annita Hazze

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