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Atrás de novos nomes, velhas práticas: a nossa (Neo)Bananeiras de hoje e de sempre

Atrás de novos nomes, velhas práticas: a nossa (Neo)Bananeiras de hoje e de sempre

Bananeiras, outono de 1920.

Após três anos em verdadeiro estado de perfectibilização de um golpe midiático-jurídico-parlamentar, em análise retrospectiva, podemos arriscar uma explicação resumida do que se passa e se passou neste país que insiste em permanecer colônia – ainda que de outras metrópoles.

1. Não há dúvidas de que o Partido dos Proletários (PP) somente pode ascender ao poder em Bananeiras porque pactuou com as elites dominantes, fazendo concessões aos verdadeiros donos do poder as quais, logo adiante, foram instrumentalizadas e denunciadas justamente para retirar-lhe o comando do país. Temos, portanto, que o PP subiu porque permitiram e caiu porque assim o quiseram os donos do poder. Afinal de contas, o Capital não se contenta com menos que tudo e o pouco de melhor distribuição de renda promovida pelo Partido dos Proletários foi suficiente para que o deus Mercado decidisse novamente pela máxima concentração de renda nas mãos de seus poucos e principais sacerdotes. Dentre tais sacerdotes, destacamos aqueles que faziam umas tão famosas listas integradas por servos políticos de todas as bandeiras, a demonstrar que o sistema não era regido por quem figurava nas listas, mas por quem as fazia, que punha aqueles no bolso, de modo a perpetuar um modo de funcionamento do poder independentemente do Partido que aparentemente o ocupe e dirija.

Quanto a tais dinâmicas, o que poucos perceberam e denunciaram é que quase nada importavam os nomes que figuravam nas tais listas formuladas pelos grandes capitalistas que sempre monopolizaram as obras públicas e o giro de capital em Bananeiras. Os nomes eram descartáveis e facilmente substituíveis a cada eleição. O que de fato importava – importa e importará – era a identificação daqueles que faziam as listas e tinham – têm e terão – no bolso toda a política do país, a qual manipulavam – manipulam e manipularão – como o fazem os manipuladores de fantoches.

Dirigidas as luzes da grande mídia – que serve aos manipuladores de fantoches – ao primeiro plano da cena, permaneceram à sombra os mecanismos que ensejaram a retomada do poder por seus senhores de sempre, que, apoiando-se em ressentimentos, ódios e medos históricos, o fizeram a partir da criação de mitos e lendas, destacando-se, entre estas, a de que o PP teria inventado e seria inteiramente culpado por uma forma de corrupção que move Bananeiras há centenas de anos.

2. Dentre os mitos e lendas criados nesse processo de golpe que parece ainda não ter se perfectibilizado, também merecem relevo as figuras dos vários justiceiros que “surgem” para salvar nossa Bananeiras de inimigos não menos míticos e situações não menos fantasiosas, com o que chamamos a atenção para o julgador, o acusador, o policial e o político que se postam acima da lei, que, assim, ao invés de se expressar como instrumento racional de contenção de poder, termina pervertida em instrumento de imposição de poder por uns poucos sobre aqueles selecionados como inimigos do status quo. Nessa dinâmica, enquanto caem esses inimigos e Bananeiras se afunda nas mãos dos mitos e suas mentiras, os verdadeiros donos do poder, que só caem para cima, contam com o livre fluxo do caos para melhor imporem seus interesses e mais concentrarem o capital (o a mais de gozo) que ia se perdendo com o pouco de melhor distribuição possibilitado pelo PP – que, diga-se, também servia ao sistema, ainda que de forma menos dócil.

3. Essa forma de fluxo do poder estabelecido em Bananeiras tem em sua base o que pode ser denominado de neocapatácia, aguilhão garantidor da implantação de um neocolonialismo em que os senhores de velhos e novos engenhos são os mesmos de sempre – os que concentram o capital, inclusive mantendo grande parte dos recursos que detêm fora de Bananeiras, daqui só extraindo o que houver de valioso. Quanto aos neocapatazes, são aqueles encarregados de julgar e acusar, que têm por auxiliares úteis os que se ocupam das diversas funções que permitem fazer parecer que há justiça, o que inclui a grande mídia, a fabricar uma opinião pública pela qual se busca legitimar todas essas manobras de inversão dos ideais republicanos e democráticos, para o que se vale de neocontorcionismos dos fatos e de neorrevisionismos históricos, lançando mão de manobras neossofísticas às quais se convencionou chamar pós-verdade. Mas não é só: temos também os neocapitães do mato, que servem diretamente aos neocapatazes e aos neossenhores de muitos e neoengenhos na neutralização de velhos e novos (neo)inimigos, muitas vezes pensando que servem à lei.

4. Especialmente influenciada pela grande mídia e por qualquer coisa que, em ambiente de pós-verdade, circule pelas redes sociais, Bananeiras conta também com uma classe média movida por medo, ódio e ressentimento, bem misturados num caldo de credulidade conveniente temperada com pitadas de teofascismo, elementos que, juntos, compõem uma mobilização neofascista que denega sua vinculação a qualquer ideologia, cultuando a mediocridade e ostentando uma ignorância radical, satisfeita de si. Os integrantes dessa classe média podem ser denominados neovassalos por sua subserviência aos interesses dos senhores internos e externos, a expor um desejo não declarado de serem continuamente colonizados, submetidos a um pai que se afirme forte e capaz de impedir que se sintam desamparados como devem ser os pobres de Bananeiras. E as primeiras medidas para impedir que se consume essa confusão de classes devem ser dirigidas no sentido de impedir que os pobres tenham acesso a um futuro digno, ou seja, a estudo de qualidade – inclusive universitário –, moradia, linhas de crédito, lazer, direitos trabalhistas ou previdenciários. Se os pobres têm tudo isso, tornam-se classe média e a classe média se torna pobre, o que não se pode permitir, de modo que a moral e os bons costumes, além de boas doses de um cristianismo fundado no Antigo Testamento (?), vêm bem a calhar neste momento em que os cidadãos médios de bem devem distinguir-se daqueles que carregam consigo as neoetiquetas do mal – em especial os não consumidores em uma sociedade de consumo. Constrangedor é perceber que boa parte dessa neoclasse média só prosperou a partir da melhor distribuição de renda e das linhas de crédito promovidas pelo PP, de modo que toda a agressividade mobilizada contra o partido e as figuras que o representam – fundada em pobre mitologia – bem expressa a recusa e o ódio às próprias origens, que devem ser mantidas apartadas no tempo e nos espaços (especialmente nos espaços das universidades e dos aeroportos).

5. Quanto aos pobres de Bananeiras, sua passividade é histórica, de modo que nem se pode dizer de uma neopassividade, uma vez que sempre foram mantidos dóceis por concessões habilmente administradas pelos donos do poder – como se deu com as próprias concessões dadas e cassadas ao PP, bem como com os direitos trabalhistas e previdenciários que se vão, sem luta, sem resistência. Os pobres bananeiros, em especial, são tão envergonhados de sua condição, de sua cidadania deficiente em uma sociedade de consumo, que não conseguem se reconhecer e se identificar uns com os outros ao ponto de se saberem maioria e, assim, se fazerem capazes de conter o avanço devastador de um capitalismo ultraliberal que só favorece a concentração de renda nas mãos de senhores, capatazes e alguns poucos auxiliares e vassalos. Recusando a própria condição e presas fáceis de um discurso teofascista – que conjuga elementos do antigo testamento, superstições variadas, empreendedorismo e meritocracia –, sendo tal discurso e sua repetição irrefletida ad infinitum um dos únicos pontos a uni-los a parte da neoclasse média, os pobres bananeiros, pressionados por senhores, neocapatazes, auxiliares e neovassalos, seguem, sem a necessária e proporcional resistência política organizada, aglomerando-se ou sendo aglomerados em espaços exíguos (favelas e prisões, destacadamente) que, em termos históricos, podemos afirmar nossas neossenzalas e nossos neonavios negreiros.

Vemos, assim, que, em Bananeiras, nem tudo que é neo é novo, e, no fundo, as coisas sempre voltam a ser como sempre foram, tendendo a piorar.

De todo modo, no final das contas, podemos ficar tranquilos, uma vez que esta análise é pura ficção e Bananeiras nem existe.

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