Relicário

Moro e o sonho de Ícaro

Moro e o sonho de Ícaro

Quem nunca sonhou voar?

            Qual criança não pediu asas a seus pais?

            O sonho de ir mais alto, de ver o mundo de cima, de estar em posição superior, desde sempre esteve presente na história da humanidade.

            Na mitologia grega, havia o personagem Ícaro que era filho de Dédalo, homem que construiu um labirinto para aprisionar a criatura denominada Minotauro, que acabou morta por Teseu. Furioso, o rei prendeu Dédalo e seu filho Ícaro, para sempre, no labirinto. Por isso Ícaro tinha o sonho de voar e o realizou, pois seu pai fez-lhe asas com penas de pássaros coladas com cera, porém, alertando-o para não voar tão alto. Mas Ícaro ignorou a recomendação e subiu, subiu até que o calor do sol derreteu a cera, destruindo as asas e fazendo-o cair no mar, onde morreu afogado.

            É certo que Sérgio Moro, o Juiz Federal que se notabilizou por encabeçar a Operação Lava Jato, como Ícaro, também sonhou voar alto, muito alto.

            Para um jovem formado em Direito, chegar ao posto de Juiz Federal é uma baita vitória, é um grande vôo e a segurança de uma vida onde terá notoriedade, respeito, bom salário e a chance de distribuir justiça, fazendo do mundo um lugar melhor.

            Para Sérgio Moro isso era pouco, tanto que abandonou o cargo sem pestanejar, como quem troca uma camiseta velha por uma camisa nova, na primeira chance que teve. Ele queria voar mais alto!

            Antes, porém, planejou tudo de forma minuciosa. Juntamente com o fanático procurador Deltan, armou, através de mentiras, para que o STF mantivesse em Curitiba o caso do triplex que seria do ex-presidente Lula. Viu, nesse caso, a chance “de sair do labirinto”.

            Disse ao procurador o que fazer, combinou ações, usou a mídia, negou provas à defesa, ao passo em que permitiu tudo à acusação. As conversas que teve com Deltan comprovam essas afirmações. Um Juiz, que deveria ser imparcial, estava mancomunado com o acusador. Seu objetivo era manipular a opinião pública e influenciar no resultado eleitoral. Nisso, foi competente. Conseguiu!

            O Juiz que deveria ser isento, escolheu um lado e ajudou, via aplicativo de mensagens, a provar hipótese favorável ao lado escolhido. Depois, uniu-se ao maior beneficiado pelas suas ações espúrias, largou a toga e transformou-se em superministro. Mas ele ainda queria voar mais alto!

            Sérgio Moro alimentava o sonho de ser ministro da mais alta corte da justiça brasileira, o STF, o que lhe fora prometido pelo presidente Bolsonaro. Ele também alimentava o desejo de ser Presidente da República.

            E tudo ia muito bem no planejamento do superministro que, mesmo com as trapalhadas diárias do governo, mantinha-se intacto, apesar dos “conjes” e outros tropeços na língua portuguesa. Ele continuava voando e subindo, até que suas asas começaram a derreter diante do sol da verdade trazido pelas mãos do site The Intercept.

            Os próximos capítulos dessa novela mostrarão se Moro conseguirá manter seu vôo, ou se novos fatos a serem divulgados derreterão de vez as suas asas de cera. Ele, que quis ser comparado ao juiz italiano Giovanni Falcone, conhecido pela sua luta contra a máfia (e por ela assassinado), corre o sério risco de ser desmascarado e esquecido.

            Claro que há muitos que desmerecem o teor das conversas vazadas e, em vez de atentar para a gravidade do ocorrido, preferem atacar um dos responsáveis pelo The Intercept, o jornalista Glenn Greenwald, como tem feito o lamentável e caricato Alexandre Garcia. Ora, será que o fato de Greenwald ser americano torna as mensagens divulgadas mentirosas? Ou, então, por ser ele homossexual, seu trabalho não é digno de credibilidade?

            Talvez essas pessoas desconheçam que ele, além de jornalista, é advogado especialista em direito constitucional, tendo sido um dos mais importantes colaboradores do jornal inglês The Guardian. Ganhou o prêmio mais importante do jornalismo no mundo, o Pulitzer, e o prêmio Esso de reportagem, o mais importante do Brasil. Seu trabalho foi apresentado em um documentário que ganhou o Oscar, isso em 2014, e parte da história de sua vida é contada no filme Snowden, de 2016, produzido por Oliver Stone.

            O problema não é o site de Greenwald, mas um juiz que transformou seu sonho de voar em ganância, em sede por poder. E foi tamanha a ambição que ele rasgou a Constituição que jurou seguir quando se tornou magistrado. Passou por cima de direitos de investigados, armou, tramou às escuras e condenou um homem, no mínimo, sem provas (o que se vê em suas conversas com o acusador). Com isso, mudou o destino de uma nação inteira.

            Sérgio Moro, um admirador confesso das coisas da Itália, como o juiz Falcone a Operação Mãos Limpas, foi tão longe que acabou ignorando um provérbio italiano que diz que “no final do jogo, o rei e o peão voltam para a mesma caixa”.

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