Crontos, cônicas e afins

Abaixo o Photoshop!

Abaixo o Photoshop![1]


Como nunca, a passagem dos anos tem afligido as pessoas, que fazem de tudo para se livrar de suas rugas, de alguns quilos que consideram a mais ou de qualquer coisa que as faça lembrar que, dia após dia, estão envelhecendo. As cirurgias plásticas nunca estiveram tão em alta e as academias vomitam homens e mulheres com mais – às vezes bem mais – de trinta anos, em roupas muito justas e coloridas, à caça da eterna juventude que o mercado lhes impõe como conditio sine qua non para a felicidade.

Nada contra uma vida mais saudável ou belos corpos, a qualquer idade. Pelo contrário, limitando-me à estética feminina, a que me rendo com fascínio, posso afirmar sem constrangimento que acho lindas as bundas durinhas e os seios exibidos em decotes, sem falar nas pernas bem torneadas cheias de promessas de tirar o fôlego.

O problema é que, em nossa cultura adultescente, tudo isso muitas vezes não passa de promessa, que se esvazia à menor aproximação. Parece que as plásticas, regimes e lipoaspirações têm suprimido não só rugas e gorduras dos que a estes se submetem, mas também a capacidade de ser adulto, com outras ocupações e preocupações que levam a um bom papo, boas risadas, à possibilidade de compartilhar experiências e dividir boas lembranças. Sem isso, só nos resta o desencontro de que tanto se reclama.

O encontro capaz de trazer alguma felicidade pressupõe pessoas, que vão muito além de corpos sarados. Pessoas que malharam na vida, na luta do dia-a-dia. Sujeitos que erraram, acertaram, mas que entre venturas e desventuras foram capazes de construir uma história, que faça rir, chorar e que, em algum ponto, possam amarrar-se à história de outras pessoas. Corpos podem até se unir, porém, por si só, não são capazes de definir laços.

Mulheres perfeitas, só com Photoshop, que, além dos defeitos – digo por mim –, faz sumir todo tesão. Mulher gostosa é de carne e osso, tem mais carne que osso e normalmente fala pelos cotovelos, não podendo ser encontrada na banca mais próxima, a não ser que trabalhe nela. Pra ser mais gostosa ainda, tem que saber e gostar de conversar, ter um pouquinho de celulite e braços deliciosamente carnudos, que é pra gente poder puxar num vem cá meu bem, sem medo de rasgar a folha da revista. Se tiver muita sorte, pode exibir refinadíssimos pés-de-galinha e leves parênteses que envolvam toda uma história desvelada por seus sorrisos e expressões.

Agora, a mais delícia de todas, que merece um parágrafo especial, é aquela que tem isso tudo e ainda sabe fingir que é frágil, deixando a impressão de que precisa de você para protegê-la de todos os males do mundo. Sabe deitar no seu peito e deixar que você lhe faça um carinho, sem por isso se culpar, achando que com este gesto abandonado repete a submissão que tanto abomina no comportamento da mãe. Ela acorda despenteada, espreguiça gostosamente e, enquanto você faz um café, constata que está tarde para ir à academia, irá amanhã. Então, sem neuras, toma um banho, te dá um beijo e deixa você lhe dar uma carona para o trabalho.

Dito isso, neste ano novo, conclamo todas vocês, lindas mulheres do meu Brasil, a, numa cruzada metafórica, unirem-se contra o Photoshop! Mas, por favor, a não ser em rituais íntimos, jamais queimem seus sutiãs meias-taças…

[1] Texto escrito em idos de 2005.

Previous post

O Jogo dos Ratos

Next post

Moto-contínuo