O que que há

1987, o ano que também ainda não terminou

 

Em novembro de 1987, a inflação chegou a 12,84%, a primeira vez desde junho do mesmo ano, quando foi posto em vigor o plano Bresser, que atingira dois dígitos.  Já a inflação acumulada do ano somava 308%. Por essa época e antes dela também, já se falava em reforma fiscal. Enquanto o governo pensava qual seria o nome da próxima moeda, tomava tequila e se empanturrava de tortilhas – afinal, a comitiva do então Presidente, o imortal José Sarney, participava de um encontro com oito presidentes latino-americanos em Acapulco, México -, aqui no Brasil, especificamente na periferia de Belo Horizonte, no bairro Tupi, Cesar inaugurava o seu bar. Um comércio que sobreviveria a todas as medidas provisórias e planos econômicos subsequentes.

   Cesar não se abalou com as turbulências políticas de seu país. Atrás do mesmo balcão há mais de 25 anos, ele conserva os cabelos lisos e negros, graças à tinta que é regularmente aplicada por sua esposa, Valéria. 1987 também foi o ano em que eles se casaram. Numa conversa franca, como diria Marília Gabriela, o polivalente microempresário revelou-nos muitos dos segredos do sucesso que, em suma, se resumem em ser simples e utilizar apenas os recursos disponíveis.
   Cesar começou a trabalhar cedo com o seu irmão Valdecir em sua mercearia. Depois, tornou-se vendedor da Elmo. A experiência adquirida com a venda de sapatos, atendendo com presteza a todos os clientes, independente de quanto fossem gastar, regularmente o colocava na lista dos dez melhores vendedores da loja. Os ocupantes desse ranking recebiam cupons para participar das promoções direcionadas aos clientes e, num dos sorteios, Cesar foi contemplado com um Uno, zero quilômetro.
   Mas além da sorte, Cesar também é um sujeito conservador. Tanto que já roda com seu Uno desde 1985 e pode se gabar, dizendo que, em sua última viagem, dirigiu por 1200 quilômetros sem sofrer qualquer contratempo. Esse estilo clássico também pode ser notado nas camisas floridas, tipo anos 1970, e no gosto musical. “Gosto de MPB, Roberto Carlos, Erasmo, Edivaldo, música boa…”, revela. Eventualmente, em um palco improvisado no passeio em frente ao bar, munido de um microfone e uma caixa amplificada ligada a um videoke, Cesar engoma um topete à la Elvis Presley e solta a voz, o que sem dúvida atrai o interesse do público presente.
  O Cesar’s Bar ­– vulgo Bar do Cesar – tem outras atrações, como o peixe que é oferecido às sextas-feiras. A iguaria é preparada por sua esposa, frito na hora em um fogão montado em frente ao bar. Segundo o dono de um dos negócios com mais concorrentes de Belo Horizonte, o comerciante miserável não vai para frente: “começa fazendo um bom pastel, mas depois diminui no recheio na ganância de ganhar mais. No meu bar não tem dessas coisas”.
   O bar do Cesar pode não ter de tudo, mas tudo que você precisar lá tem ou terá na próxima vez que procurar. No início, o lugar era uma misto de boteco e sapataria, o freguês parava para tomar uma cerveja e acabava levando um tênis Bamba ou um chinelo Samoa. Depois vieram os videoclipes. Impulsionado pelo advento do videocassete, Cesar logo deu jeito de inseri-lo no seu negócio como mais um atrativo para os clientes. Além desses mimos, não pode faltar cerveja gelada e cachaça de qualidade.
   Quantos às crises econômicas, reformas fiscais e outras mazelas mencionadas anteriormente, Cesar deixa a dica: “melhor pingar que secar. Não seja miserável nem ambicioso demais”.

 

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