Robert de Andrade

Muito além do que se pode imaginar

Há pouco tempo escrevi um texto para a revista Os Impublicáveis, onde me declarava insatisfeito com as cômodas manifestações que se limitam apenas às redes sociais. Desde a época de escola ouço professores reclamarem da passividade do povo brasileiro, figuras da grande mídia que, de tempo em tempo, afirmam que o Brasil está nessa situação porque o povo não faz nada. Eles não estavam de todo errados, só faltou o uso do aterrorizante gerúndio em suas frases, tempo verbal que ao ser usado da forma correta pode mudar as coisas.  Dizer que a população está “sendo” passiva demais, não significa que ela o seja o tempo todo. Nietzsche já afirmava que o problema da humanidade é gramatical.

Será? O que a língua portuguesa tem a ver com o fato de 250.000 pessoas saírem às ruas das principais cidades do país reivindicando a redução do preço das passagens, entre outras coisas? Talvez o idioma em si não tenha nada com isso, mas a forma com que as palavras têm sido usadas sim. Com isso temos jornalistas gaguejando em TV aberta, tendo que mudar de opinião e se desculpar ao vivo, perdidos diante dos argumentos de jovens manifestantes.  Isso não é uma demonstração de incompetência por parte do jornalismo brasileiro, mas sim de espasmo diante da surpresa. Fomos surpreendidos por uma força que desconhecíamos, de um ânimo muito maior que o das manifestações pelo impeachment do Collor, que foi mais comemoração que protesto propriamente dito. Estamos no olho do furacão, nesse instante fazemos nossa inscrição nos livros de história que serão lidos por nossos filhos.

A realidade em momentos como esse nos parece fantástica demais para ser compreendida de imediato. O jornalismo partidário está sendo obrigado a vestir a camisa ao avesso e buscar a imparcialidade, mas como não têm prática acabam como bufões tragicômicos. O governo está perdido, no começo se posicionou contra, talvez por julgar que seria apenas uma gritaria de meia dúzia de pessoas que não sabem o que quer. A polícia acata as ordens que, pelo visto chegam de modo “desordenado”, com um “pode, não pode” e “disse me disse”. Dessa forma a polícia acaba agindo por conta própria e, como não tem uma causa, nem um comando eficiente, os atos de violência se tornam gratuitos.

Os manifestantes, por sua vez, também foram surpreendidos, mas pela magnitude que ganhou o ato. Embora exista a presença de militantes de partidos políticos em meio aos protestos, esses são pontuais e inofensivos, pois essa postura apartidária do movimento só tem contribuído para aumentar a sua força e ganhar novos adeptos. Há quem discuta o motivo pelo qual iniciaram as manifestações, achando exagero tudo isso por um aumento de R$ 0,20 nas passagens e ainda afirmam que quem está nas ruas são os filhos da classe média. Ora, sabemos que ali no meio as classes se misturam, e se temos pessoas que não precisam andar de ônibus se manifestando em nome dos que necessitam, isso torna os fatos ainda mais belos e nos leva a acreditar que o povo brasileiro é bem mais do que o que andam dizendo por aí.

Robert de Andrade

Os Impublicáveis

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