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Então é isso!

Uma conclusão óbvia, porém lógica, e que só cheguei depois que digeri o Darcy. O Darcy, daquele livro “O Povo Brasileiro” – que muita gente fala mal; bom, devem falar mal porque fala (parte da) verdade da nossa realidade. Para muito brasileiro, a verdade dói na alma. Taí o motivo de tanta mentira e desfaçatez.

Não, não é disso que venho falar, exatamente. Mas o Darcy, no livro dele, mais especificamente no capítulo Moinhos de gastar gente, explica um pouco da origem da nossa brasilianidade. A princípio, não quero detalhar muito, porque isso renderia muito pano pra manga. Há uma parte do capítulo que ele diz:

É bem provável que o brasileiro comece a surgir e a reconhecer-se a si próprio, mais pela percepção de estranheza que provocava no lusitano, do que por sua identificação como membro das comunidades socioculturais novas (…).

(Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro, página 127.)

Desceu-me uma luz divina que não sei ainda se é redundância daquilo que o Darcy falou ou se é uma real constatação que pude pensar com minha própria massa encefálica. Algo que todos temos, mas que poucos realmente usam. Chama-se cérebro – afinal, nem só de chapéu vive a cabeça…

Pensando no que Darcy disse, me ocorre de visualizar muitas vezes o seguinte: o brasileiro se identifica por brasileiro não por ser igual ao seu patrício, mas por ser diferente dos outros. Isso gera um fenômeno que se trata de um movimento que todos nós conhecemos, que é diminuir a diferença que nós temos com os estrangeiros, o que gera, por conseguinte, um movimento ao mesmo tempo vertical e horizontal. O brasileiro odeia ser brasileiro não porque ele é brasileiro, mas porque ele não é norte-americano, é porque ele não é francês, ele não é alemão. Tentando, assim, estabelecer algum vínculo étnico (se é que posso dizer isso).

Ao estabelecer essa relação de tentar se igualar ao seu estrangeiro – daí o fato de estarmos sempre “babando os ovos” dos estrangeiros, querendo que eles sejam “nossos amiguinhos” (veja bem: quem nós tratamos melhor, um estrangeiro que chega ao Brasil ou um brasileiro que já está aqui? Será que essa camaradagem, ou seria cordialidade, está presente lá fora? Acho que não, hein…) – o brasileiro estabelece uma relação baseada no desejo de distinção do seu irmão. Observe: é um movimento de aproximação vertical com o estrangeiro, e de distanciamento horizontal com o co-irmão de país. Não digo que seria uma “aversão” ao seu irmão brasileiro, mas sim uma “auto-aversão”, uma rejeição de si como brasileiro.

Entenda: esse fato pode, sim, ser empiricamente provado (como querem os mais céticos, eis as provas; vocês estão de frente para o crime) a partir de uma pequena constatação:

Por que tem tanto brasileiro que considera o país uma merda?

Por que tem tanto brasileiro querendo desesperadamente sair dessa dita “pocilga” e se mudar para algo de maior “finesse”, se entregando ao paraíso de se viver longe de casa, milhas e milhas distante daqui?

Por quem tem tanto brasileiro que se identifica – ou tenta se identificar com uma estética/cultura euro-estadunidense?

Simples assim: a ninguendade gera esse movimento. A ninguendade te faz um ninguém em terras alheias. Você é um desterrado na sua própria terra, como diria o S. B. Holanda.

Quem és tu, nesta terra, ó raça de ninguéns? Mais um ninguém. Que busca socorro em outro lugar. E por que não encontras? Porque tem ninguém.

Para terminar, o trecho de uma música:

Há tantos quadros na parede

Há tantas formas de se ver o mesmo quadro

Há tanta gente pelas ruas

Há tantas ruas e nenhuma é igual a outra

Ninguém = ninguém

He espanta que tanta gente sinta

(Se é que sente)

A mesma indiferença

 

Há tantos quadros na parede

Há tantas formas de se ver o mesmo quadro

Há palavras que nunca são ditas

Há muitas vozes repetindo a mesma frase:

Ninguém = ninguém

Me espanta que tanta gente minta

(Descaradamente)

A mesma mentira

 

Engenheiros do Hawaii – Ninguém = Ninguém;

Composição: Humberto Gessinger

Daí a identidade ainda em devir: a carência de uma identificação própria. Acaba isso se tornando em sentimento coletivo, uma indiferença que estagna e que esmaece qualquer reação contrária. Será?

Bruno Vieira dos Santos

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