Guilherme JorguiO tretário tucano

Tasso VS Serra: Eleição presidencial de 2002 selou o destino do PSDB

Na sucessão de FHC, tucanos não defenderam o legado social e econômico do Plano Real, o mesmo que garantiu a FHC duas eleições

Para a sucessão de Fernando Henrique Cardoso, quando findasse seus oitos anos à frente da Presidência da República, no ninho tucano havia uma “generosa” lista de nomes: o do ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, do ministro da Educação, Paulo Renato Souza, do da Saúde, José Serra e o do governador do Ceará, Tasso Jereissati. Entretanto, somente o do então governador de São Paulo, Mário Covas, era tido como natural para a indicação do partido; o único nome de consenso, capaz de unificar toda a sigla em torno desse projeto.  

Dos postulantes mais convictos, Covas se aproximou de Tasso Jereissati. Pactuaram apoio recíproco, em que um apoiaria o outro e toda a articulação que fosse necessária. Acertaram, entre eles, que seria candidato quem dos dois reunisse as melhores condições políticas. Afinaram-se, por exemplo, no enfrentamento que se dispunham a fazer ao próprio Fernando Henrique Cardoso, que, durante algum no ano 2000, estimulava e se simpatizava com uma candidatura do seu então ministro da Fazenda, Pedro Malan, que nem filiado ao PSDB estava.

“Apóio o candidato do meu partido, seja ele quem for, a menos que seja o Malan”, disparou Mário Covas, que ainda completou quando lembrado de que se tratava naquele momento, do ministro mais forte do governo federal. “Não tem nem meu voto nem meu trabalho”, afirmou.  

Reza a lenda, aliás, que Tasso fora abandonado por FHC quando ele fez duras críticas ao que chamou de “monetarismo” de Malan, propondo, por fim, mudança de rumos na política econômica, sob risco da coisa “desandar”. Nesse encontro, em que também estava presente Antônio Carlos Magalhães, ensaiava-se a escolha do sucessor de Fernando Henrique Cardoso. Magalhães se comprometeu, nesse mesmo encontro, a reunir o apoio do PFL ao candidato tucano — caso este fosse Tasso. FHC não recebeu bem as críticas. Considerou-as como se tivessem direcionadas a ele mesmo, e passou a “cozinhar” as pretensões de Jereissati.

Entretanto, a descoberta de um tumor maligno na bexiga de Mário Covas, em dezembro de 1998, frustrou os seus planos e melhores expectativas. Tendo em vista o próprio estado de Saúde, Covas declinou da sua pretensão presidencial e se transformou num dos principais articuladores de Tasso à sucessão de FHC. Os demais nomes foram se acomodando, ficando apenas José Serra na disputa pela indicação do partido. Covas morreu no dia 6 de março de 2001 e Tasso perdeu seu principal articulador.

Em dado momento da disputa, FHC chegou a dizer que Tasso era melhor candidato que Serra, mas o segundo, em compensação, seria mais preparado para governar o país. “Reservadamente, o presidente costuma dizer que Serra é inteligente, mas não tem carisma. Na análise de FHC, Tasso é um nome mais fácil de ser trabalhado eleitoralmente. Tem mais apoio no PSDB (ganhou o aval de Covas, o que é seu principal trunfo) e transita tão bem ou melhor do que o ministro no empresariado. Isso faria de Tasso o candidato com mais chances de vencer a disputa em 2002”.

Na relação com o empresariado Tasso teria tanta ou até mais circulação que José Serra. Atribuía-se ao cearense maior lealdade partidária que Serra, esse, tido como individualista. Do ponto de vista programático, Tasso teria peito de criticar a política econômica desempenhada por FHC (carimbada de neoliberal). Acreditava-se também que, se fosse Tasso o candidato, Ciro Gomes não se lançaria na disputa, pela relação política e pessoal estabelecida entre eles. O governado do Ceará já contava com o apoio do PFL. Serra trazia o PMDB, mas os peemmedebistas não vetariam o nome de Tasso.

Tasso e Serra adotaram estratégias opostas. O governador do Ceará optou pela discrição das articulações de bastidores. O ministro da Saúde se projetava midiaticamente a partir de ações do ministério.

O então governador do Ceará conseguiu o apoio de lideranças da região do nordeste do país, com especial destaque do Senador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, que à época presidia o Senado e exercia forte liderança em seu estado. Outro clã que recebia bem a candidatura de Tasso era o dos Sarneys.

Roseana, então governadora do Maranhão, foi sugerida como vice numa composição com o tucano, mantendo a aliança que elegera FHC oitos anos antes. Ela também empreendeu um bom trabalho de comunicação, vendendo como principais ativos sua juventude, sua competência como gestora e alguma coisa sobre coragem política e administrativa. Ficou em vantagem com relação ao tucano, chegando a empatar com o candidato do PT em algumas pesquisas.

Tasso, por sua vez, não se opunha a uma inversão na chapa, podendo ele ser o vice.

Essa articulação seguia bem até que veio uma operação da Polícia Federal com finalidade clara de implodir a pré-candidatura do PFL, na Construtora Lunus — de propriedade de Roseana e de seu marido, Jorge Murad. Na sede da empresa foram apreendidos R$ 1,34 milhão em notas de R$ 50, entre outros documentos.

José Serra tinha montado para sua pré-campanha uma “máquina de moer inimigos” a partir de um núcleo de inteligência no Ministério da Saúde (sob seu comando), com o apoio do delegado da Polícia Federal, Marcelo Itagiba, então deputado federal do PSDB do Rio de Janeiro. Foi o que noticiou o jornalista Leandro Fortes, do Jornal do Brasil. “Itagiba, no entanto, era apenas o ponto de contato entre Serra e a direção-geral da corporação, então nas mãos de outro tucano, o delegado Agílio Monteiro Filho, que chegou a se candidatar, sem sucesso, à Câmara dos Deputados, em 2002, também pelo PSDB”.

Também havia fortes indícios de que a operação tinha o conhecimento de FHC. A ação até tirou Roseana da disputa, mas Serra também perdeu o apoio da parte do PFL que apoiava a governadora. O partido chegou a romper formalmente com o governo FHC no Congresso. 

Embora manifestasse “neutralidade” na disputa tucana a sua sucessão, estava evidente que FHC já havia se decido por Serra, pela forma como todo o governo trabalhava para fortalecer o nome do ministro da Saúde.

Quando Tasso interceptou o início de um movimento da ala tucana da Polícia Federal similar ao que abateu a pré-candidatura de Roseana Sarney, contra as si e às suas empresas, ele foi levar  sua insatisfação ao próprio FHC, num jantar no Palácio da Alvorada, que quase acabou em pancadaria.

O então ministro da Justiça, Aloysio Nunes, que tinha sob sua subordinação a Polícia Federal, também participaria do encontro. Tasso o tinha como um dos principais articuladores dos movimentos de José Serra.

Logo de entrada Tasso serviu seu “prato de mágoas”, reclamando do tratamento que estava tendo da ala simpática ao ministro da Saúde. Sem medir palavras, chamou de “safadeza” e “molecagem” os movimentos de Aloysio, que ao responder com um “não é bem” assim, deu início ao bate-boca.

 “Vocês jogam sujo!”, reclamou Tasso.

“Vocês quem?”, indagou Aloysio.

“Você, Aloysio, não venha posar de estadista francês! Você não! Isso é safadeza, molecagem. Você diz que não toma partido na disputa com o Serra, mas vive plantando notinhas nas colunas de jornal a favor dele e contra mim”.

“Você me respeite! Tenho história” – retrucou Aloysio.

“Sei bem qual é a sua história! Enquanto eu fazia das tripas coração para eleger esse aqui em 1994 (referindo-se a FHC), você rodava o Brasil de braços dados com Quércia”

“Jogando sujo é a puta que o pariu”, berrou Aloysio, partindo para cima do governador, “Onde você quer chegar? Você acha que eu tenho medo de você. Safado é você, seu safenado filho da puta! Não tenho medo de você. Te dou uma porrada e você morre”.

Consta que a discussão escalou ao nível de Tasso arrancar o paletó e os dois armarem os punhos, faltando pouco para uma “trocação” entre eles.

Coube ao então governador Pará, Almir Gabriel, outro ilustre convidado, ficar no meio deles, para que a porradaria não começasse. Um exercício de abstração bem humorada é tentar imaginar a cara do FHC vendo toda essa cena.

O episódio selou a retirada de Tasso da disputa pela indicação do seu nome pelo PSDB a sucessão presidencial. Se sentido traído pelo partido, reclamou lealdade de FHC, a quem não perdoava por ter incentivado ele a permanecer na disputa tucana quando, este, na verdade, já havia escolhido o seu lado.

Tasso “autorizou-se” a apoiar a candidatura de Ciro Gomes à Presidência (então pelo PPS). Mais que isso: conseguiu apoios importantes a candidatura de Ciro, como o de Antônio Carlos Magalhães, na Bahia, de lideranças empresariais e até mesmo de outros tucanos.    

Com esse cenário de racha os tucanos entraram para a disputa das eleições de 2002. Alguns especialistas acreditam que essa foi a derrota que selou o destino do PSDB. Com um desempenho menor que as taxas de ótimo/ bom/regular de FHC, (que somadas davam 63% em setembro de 2002), Serra o escondeu de sua campanha e focou apenas na suas realizações como ministro. Não apenas ele, mas boa parte do PSDB nas disputas regionais também o fizeram. Não se apropriaram nem defenderam o vasto legado social e econômico do Plano Real, cujo avaliação popular, nas urnas, garantiu a FHC duas eleições sobre o candidato petista — em primeiro turno. “Em política, existem derrotas e derrotas. Ao perder as eleições sem valorizar devidamente o sucesso da era FHC, o PSDB perdeu identidade e referências”, é o que avalia o sociólogo e cientista político, Murillo de Aragão.  

José Serra perdeu as eleições para o petista Luis Inácio Lula da Silva, que chegou ao poder após três tentativas. Lula obteve 62,26% dos votos válidos. O candidato do PSDB, 37,74%. 

No dia da apuração, Serra ligou para Lula, parabenizando-o pela vitória. No seu comitê de campanha, ao reconhecer a vitória do seu adversário, teve um início de vaia, o que o tucano repreendeu. “Eu queria fazer um pedido encarecido. Aqui tivemos hoje uma eleição, estamos aqui anunciando o resultado, que acolhemos. Isto com paz, sem qualquer espécie de agressividade.”

A derrota em 2002 acabou servindo para afirmar a solidez institucional do PSDB, que se manteve relevante no processo político brasileiro mesmo com o encerramento do ciclo político da sua principal liderança, Fernando Henrique Cardoso. Além de ter um amplo quadro de lideranças de envergadura nacional, o partido também preservou sua relevância no âmbito estadual e municipal.

Não ficou, porém, a boa lição sobre unidade do partido. Foi o que a disputa entre Serra e Geraldo Alckmin, em 2006, mostrou.

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