Camilo Lucas

…que amava os Beatles e os Rolling Stones

O território musical mais sujeito ao surgimento de lendas é o rock. O jazz e o blues também, a bossa nova com certeza; mas o rock é “o” criador de lendas. E provavelmente a mais famosa delas é a rivalidade entre os Beatles e os Rolling Stones, alimentada anos a fio por ambos.

Os Beatles (pelo seu empresário Brian Epstein), antes deles Elvis (pelo “Coronel” Tom Parker) e depois deles os Stones (pelo seu marketeiro Andrew “Loog” Oldham) são os inventores do marketing no pop. A lenda da rivalidade ajudou a manter as duas bandas no auge durante os fervilhantes anos 60.

A banda se diferenciava dos Beatles por explorar mais o “rithm & blues” do que o rock’n roll puro e simples. Assim, enquanto os Beatles emulavam Chuck Berry, Little Richard e Buddy Holly, os Stones, além destes, emulavam Muddy Waters (de onde tiraram o nome da banda), Robert Johnson e Bo Diddley. Os Beatles cantavam a alegria, os Stones a lama. Os Beatles se apresentavam de terninhos, os Stones de roupas casuais, da night, mas bem cortadas e “in”. Os Beatles estavam faturando horrores e os Stones moravam numa kitchnete de merda cheia de baratas e sem aquecimento num subúrbio de Londres. Alguma coisa tinha de ser feita.

Com o estouro ciclópico dos Beatles, pipocaram clones de franjinha e terninho por toda a ilha. Todos querendo ser iguais e ficando na lanterninha. Aí é que entrou a grande jogada de Oldham: já tem bonzinhos demais. Os Stones são maus, vamos explorar isso.

Conceituados no underground, principalmente pelo pessoal “cool, Oldham usou este argumento para convencer a Decca Records a contratar os Stones. Estamos em 1963, e um ano antes quatro rapazes de terninho estiveram na nesta gravadora para uma audição, gravaram 12 músicas e, depois de uma ligeira entrevista, foram dispensados com o argumento de que “conjuntos de guitarra são uma moda passageira”. Agora, esses gênios da futurologia mercadológico-musical estavam tomando remédios pra dormir, pra acordar e pra não suicidar, vendo sua concorrente EMI-Odeon rachar os cofres com os caras que eram uma moda passageira.

Um single com um “cover” de Chuck Berry (“Come on”) é lançado em julho e fica na rabeira das paradas. As coisas continuavam mal, mas George Harrison assiste a uma apresentação dos Stones, se entrosam e Lennon & McCartney doam “I wanna be your man”, um “lado B” de sua autoria, para os Stones gravarem como “lado A”. Assim, os Stones conseguem seu primeiro hit nas paradas: com uma música dos… Beatles.

Daí por diante é história. Stones são presos mijando na rua de madrugada. Stones são o contrário dos Beatles. Os Beatles estão cantando “I wanna hold your hand”? Os Stones gravam “I just want do make love to you”.“Você deixaria sua filha casar com um Stone?”, dizia uma manchete de tablóide sensacionalista… Perante o público, os Stones eram a antítese dos quatro carinhas de Liverpool. Mas quem se importa? Em off, eles trocavam idéias, curtiam a balada da “Swingin’ London” juntos, e a grande combinação: nunca lançar um single ou um LP simultaneamente. Os Beatles lançavam e depois de passado o impacto os Stones lançavam o deles. Milimetricamente intercalado. Um novo single a cada dois meses, um novo LP a cada seis meses.

Mas que rivalidade é esta? John Lennon é fotografado com o LP “Aftermath” nas mãos, o hit de 1965 dos Stones. No mesmo ano os Stones são vistos no cinema assistindo “Help”. Em 1967, na primeira transmissão mundial via satélite, os Beatles gravam ao vivo o single “All you need is love”. E quem está no chão, batendo palmas e fazendo parte do coro hippie? Mick Jagger, Marianne Faithfull e Keith Richards. Mick e Keith são presos por porte de drogas e soltos um mês depois de uma campanha da comunidade pop pela sua libertação. Para agradecer a este apoio, gravam o single “We love you”.  E quem faz parte dos backing vocals? John Lennon e Paul McCartney.

Os Beatles lançam sua obra prima: “Sergeant Pepper’s Lonely Hearts Club Band”. Na capa superproduzida, uma bonequinha posicionada no canto inferior direito ostenta bordado em seu suéter os singelos dizeres “wellcome the Rolling Stones”. No seu álbum seguinte, “Their satanic magesties request”, os Stones, em sua capa mais psicodélica ainda, colocam pequenas fotos individuais de cada um dos Beatles. Os Beatles numa cada dos Rolling Stones??? Mas que porra de rivalidade é esta? (veja as fotos que ilustram este texto)

Mas a rivalidade rolava, pelo menos na mídia. John Lennon falava que tudo o que os Beatles faziam, os Stones copiavam seis meses depois. E isso fica bem óbvio no disco das magestades satânicas. É descaradamente uma cópia de Sgt Peppers. Mas aqui: é bom pra caralho. Os Beatles encerram a carreira com “Let it Be” e os Stones, meses depois, lançam “Let it Bleed”. Dois discassos. Enfim…

Uma nota pra mostrar que, apesar de toda a armação, a rivalidade rolava mesmo – pelo tamanho dos gênios em questão dá pra imaginar o tamanho dos egos em questão. Olha essa: 1967. Aniversário de Mick Jagger marca a inauguração da boate Vesúvio, da qual os Stones eram sócios em Londres, e tocam o ainda inédito “Beggar’s Banquet”. O disco fica rolando a noite toda e faz o maior sucesso, calro. Mas Paul McCartney está na festa com um demo da próxima música dos Beatles. E passa pro DJ. Que num intervalo entre uma música e outra, põe pra tocar. A música era Hey Jude. Um dos sucessos mais avassaladores da carreira dos Beatles, daqueles que gruda no ouvido à primeira audição.

Fudeu com a festa dos Stones… Hey Jude foi repetida à exaustão e o todo mundo cantou em coro uma música dos Beatles. Mick Jagger nunca perdoou Paul McCartney por causa disso! Se a lenda da morte de Paul, outra que bombou nos ‘60, se confirmasse, Mick seria o principal suspeito.

Camilo Lucas

A homenagem (no círculo branco)

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