Robert de Andrade

o disco rígido do amor

Eu devia era me perder na vontade de ter o tempo todo, mas de quando em quando sou tomado por um desejo de desvendar o que me faz te buscar em tudo, a todo instante. A distância me causa a estranha impressão de te possuir, não como alguém que aguarda o retorno de outrem, mas daquele que já não espera por estar certo de que a ausência é apenas um curto intervalo de um amor seguro e não perecível. O oposto é estar ao seu lado, nunca sei se é você realmente quem caminha em meus confins e vez por outra acaba se perdendo num olhar distante e apagado, como se tivesse a capacidade de se desligar do mundo. Mas sua respiração convulsa, quase ofegante, e o calor que vem como uma pulsão da sua pele me diz que você sonha acordada com um amor qualquer. O amor qualquer é mais forte que o nosso, pois esse qualquer ficou inacabado, e não te importa se a interrupção se deu por falta de ânimo. A você só interessa que algo pequeno, mas ainda assim deleitoso, ele te possa fornecer. Eu devia mesmo era me perder em novas promessas, novas possibilidades que me fossem dadas por outras muitas mulheres que vivem por aí. Acontece que às vezes me pego mexendo no passado impresso nas folhas que guardo, não como a lembrança de um amor afonsino, mas como um registro da felicidade que um dia ameaçou existir. Leio as cartas em que você se declarava completamente debelada pelo nosso amor e rio até do medo dizer “eu te amo” um para outro. Era melhor quando fingíamos não nos amar, porque o amor era tão forte que nos doía a alma, quisera deus pudéssemos morrer desse amor. Mas a gente também não acreditava em deus, e não era para menos, afinal o nosso amor parecia bem maior do que aquele que nos prometia a bíblia. Quantas vezes tentamos fugir de nós mesmos? Sabíamos, os dois, que cada um devia cuidar dos próprios sentimentos, mas nossos anseios se misturavam, envolvendo o que estivesse à volta: o cigarro, a bebida, os amigos, os livros, o ódio que sonhávamos ter um do outro.  O amor acaba e se não acabar ele vira alguma coisa qualquer que poderá ser amada por outra pessoa, de uma outra forma, em um outro momento, quando já estivermos mortos ou velhos, tendo já vivido tantos amores melhores, mas que só são melhores porque vieram depois, porque são recentes, porque sem amor não se faz nada direito.

Foi se o tempo em que as cartas eram enviadas pelo correio, ou até por pombos-correio. Não tive tempo de me despedir e também acho que não queria me despedir, mas de repente me vejo de volta à literatura que tanto me odeia e começo a mexer em arquivos do passado que o HD me fez o favor de guardar para um dia eu relembrar. Relembrei muito cedo. O plano era fazer isso daqui a dez anos, mas antecipo por não saber o que o futuro nos reserva e te envio essa porção de frases de um passado que só nos pertence na condição de memória.

Robert de Andrade

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