Guilherme JorguiO tretário tucano

Serra VS Alckmin: a pauliceia tucana

Sofreguidão do partido reverte a própria vantagem

Em que pese ter sido criado por lideranças de vários estados brasileiros, o principal “ninho” do PSDB é São Paulo. Por ser o estado de origem de muitas das principais lideranças do partido, e porque está há 27 anos à frente desse governo estadual. Até então, o Palácio dos Bandeirantes é um porto seguro da legenda. As eleições de 2006 reforçaram o traço paulistano da sigla, já que disputaram sua indicação de candidato à Presidência da República o prefeito da capital paulista, José Serra, e o governador do Estado, Geraldo Alckmin.

Alckmin assumiu interinamente o governo do estado de São Paulo no dia 22 de janeiro de 2001, quando o estado de saúde de Mário Covas se agravou. Logo que chegou ao cargo teve início uma discussão jurídica acerca da sua eventual inelegibilidade para disputar a reeleição. Ele fora eleito vice de Covas em 1994 e reeleito com ele em 1998.

O jurista e advogado Ives Gandra Martins — um dos mais respeitados do Brasil — em artigo publicado na Folha de São Paulo, considerava Alckmin inelegível. “Substituir é suceder provisoriamente. (…) Se o vice substituir o titular em dois mandatos, não poderá ser eleito para um terceiro mandato, muito embora tenha concorrido apenas como sucessor ou substituto do candidato reeleito”.

Em sentido oposto havia uma jurisprudência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), permitindo ao vice-governador assumir o cargo definitivamente durante o mandato e concorrer à reeleição no pleito seguinte. Esse mesmo conjunto de decisões e interpretações da lei, entretanto, sinalizavam que Alckmin não poderia disputar uma eventual reeleição em 2006.

Alckmin não só saiu candidato à reeleição, como venceu no segundo turno, o candidato petista José Genoino (PT), com uma vantagem folgada: o governador alcançou 58,63% dos votos válidos, enquanto o petista conseguiu 41,36%. 

Derrotado por Lula nas eleições de 2002, Serra encontrou “abrigo” político na presidência nacional do PSDB. À frente da legenda mantinha-se em evidência nas críticas que fazia a política econômica empreendida no primeiro mandato do governo Lula. Desaprovava sobretudo a alta dos juros, a valorização do câmbio e o aumento da carga tributária sobre as empresas.

Inicialmente, não estava nos planos de Serra uma nova disputa à Prefeitura de São Paulo. No seu cálculo político, receava ficar imobilizado na gestão municipal, inviabilizando postulações em outros níveis, como o próprio governo do estado ou concorrer novamente numa eleição presidencial. Havia também o medo da derrota, o que lhe retiraria capital político para as outras disputas majoritárias. Ele fora candidato em 1988 (eleição em que Luiza Erundina, então no PT, fora eleita), ficando em quarto lugar, com 6,9% dos votos válidos. Tentou novamente em 1996, (disputa que elegeu Celso Pitta, então do PPB), ficando em terceiro (15,56%).

Mas o ano de 2004 lhe era mais favorável. Lula enfrentava seu pior momento de impopularidade por causa das denúncias que vieram à tona no escândalo do mensalão. Àquela data, algumas pesquisas de intenção de voto simulando novo embate com o petista o colocavam empatado com o presidente Lula. A então prefeita Marta Suplicy (à época no PT), também vinha muito mal avaliada para disputar sua reeleição. Da mesma forma, os primeiros levantamentos também lhe davam vantagem sobre outros concorrentes, como o ex-prefeito Paulo Maluf (PP). 

O PSDB estava definindo se concorreriam pelo comando da capital com o ex-presidente do PSDB, José Anibal, se com o então secretário de Segurança Pública, Saulo Castro de Abreu, se com a deputada federal Zulaiê Cobra ou com o deputado federal Walter Feldman.

Quando Serra sinalizou que entraria na disputa, todos os demais retiraram seus nomes. Foi uma eleição relativamente fácil. Ele liderou todas as pesquisas de intenção de voto, foi para o segundo turno contra a prefeita e a venceu sem maiores dificuldades: o tucano teve 54,86% dos votos válidos, enquanto a petista alcançou 45,14%

Alckmin entrou de corpo e alma campanha vitoriosa de José Serra. E, mal tinham acabado as eleições, o governador paulista tentou “amarrar” Serra ao cargo para o qual acabara de ser eleito. Em entrevista à Folha de São Paulo, quando questionado se seria um suicídio político deixar a prefeitura para concorrer em 2006, Geraldo concordou com a tese. “Você deixar o Legislativo pode ser compreendido, mas não o Executivo, especialmente numa cidade-estado como São Paulo. É inadmissível, uma hipótese fora de cogitação. O próprio Serra já disse isso na campanha e reiterou, eleito”.

Pesquisas eleitorais trabalham números. Os números, por sua vez, podem ser livremente interpretados. Alckmin articulava sua indicação brandindo sua boa aprovação à frente do governo do estado. Pesquisa feita pelo Datafolha, em janeiro de 2005, lhe dava aprovação de 60% da população. “Para outros 27%, Alckmin vem tendo um desempenho regular. Desaprovam o governo do peessedebista 9% dos moradores do estado”. Era um bom desempenho.

Entretanto, a candidatura em disputa era à Presidência da República, e nessa frente Serra apresentava melhor performance. Pelo mesmo instituto de pesquisa, ele aparecia com até sete pontos à frente de Lula, nas simulações para as eleições presidenciais.  

O prefeito de São Paulo levava outra vantagem sobre o governador: tinha maior articulação nacional. 

Diferente de 2002, nessa disputa Serra encontrou um forte aliado no PFL: o então prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, amigo do tucano desde os tempos em que estiveram em exílio, no Chile. O carioca teve sua pré-candidatura pelo PFL anunciada em novembro de 2004. Era uma liderança fluminense bem avaliada. No final de 2005, às vésperas do início do ano eleitoral, Maia bagunçou o ninho tucano e o próprio partido ao afirmar que abriria mão da sua candidatura caso o candidato do PSDB fosse José Serra.

O então presidente do PFL, Jorge Bornhausen, negou o prematuro apoio a uma candidatura tucana. Sugeriu distorção a fala do prefeito carioca e reiterou a disposição do partido de lançar candidatura própria, mesmo que não fosse Maia, colocando em terceiro plano conversas com o PSDB. “A segunda opção seria outro candidato do próprio partido. A terceira hipótese é uma coligação com o PSDB.”

A precipitação de Maia atrapalhava o PFL. A fala tresloucada enfraquecia o partido nas articulações de espaço em alianças e na montagem de palanques estaduais. 

Até pelo mal-estar criado, Serra desconversou e negou sua intenção de disputar as eleições. “Eu agradeço comentários positivos, mas isso não significa evidentemente que tenha uma candidatura lançada ou entendimento entre partidos. Não tenho expectativa de ser candidato”.

Aliás, embora trabalhasse por isso nos bastidores, o prefeito paulista só falou publicamente dessa sua disposição muito mais tarde, quando fora pressionado pelo próprio partido.

Alckmin e seus aliados ficaram irritados com o episódio. Para eles o gesto do prefeito do Rio fora combinado com o próprio Serra.

Esse episódio é só um dos muitos indicativos de que o prefeito paulista, àquela data, levava vantagem sobre o governador para a indicação do PSDB. Serra conseguia articular até o “desatar de nós” com vistas das postulações futuras dos próprios tucanos.  

Foi numa segunda-feira de dezembro, em 2005, que Serra e Alckmin tornaram pública mais uma das suas divergências. O governador, em entrevista ao Programa Roda Viva, na Rede Cultura; o prefeito, no sofá da apresentadora Hebe Camargo, no SBT. O mesmo dia. Quase o mesmo horário.

Questionado se era sua a proposta de por fim à reeleição, Serra negou a autoria, mas apontou equívocos do mecanismo. “A reeleição faz o seguinte: o sujeito se elege e já fica pensando na reeleição. É como se fosse uma fuga para adiante. Sinceramente, acho melhor reconhecer que [a reeleição] não deu certo, com toda a humildade”.

Alckmin, por sua vez, na TV Cultura, avaliava ser “cedo para dizer que não deu certo”. “Está bom o prazo de oito, podendo parar no meio. Já o mandato de cinco anos pode ser muito para um governo ruim”.

A divergência entre eles tinha como pano de fundo um avançado movimento de Serra a fim de organizar a “fila” dos presidenciáveis tucanos. Foi apresentada uma proposta de emenda à constituição que poria fim à reeleição. O projeto, de autoria do deputado federal Jutahy Magalhães (PSDB-BA), também propunha um ano a mais para os mandatos do Poder Executivo. Foi o arranjo encontrado para aplacar as expectativas de Alckmin e de Aécio Neves, caso Serra fosse escolhido o candidato tucano à Presidência.

Caso fosse eleito, Serra ficaria por cinco anos no governo. A sanha fratricida dos tucanos para a escolha do seu presidenciável não precisaria esperar tanto. Alckmin e Aécio poderiam se digladiar já em 2012.

A proposta agradava mais ao governador mineiro que ao governador paulista, já que Aécio ainda teria a possibilidade de ser reconduzido ao governo de Minas. Alckmin, não. Até mesmo para Serra a proposta era mais vantajosa. Fosse Geraldo o candidato tucano à presidência, teria ele apenas cinco anos de mandato. Serra poderia encerrar sua passagem como prefeito, mirando seu projeto ao Palácio do Planalto.

Até o Partido do Trabalhadores aceitava discutir o fim da reeleição, tamanha a fragilidade  do governo àquela data. “O PT sempre foi contra a reeleição e o presidente Lula tem dito que gostaria de um mandato de cinco anos. Eu, pessoalmente, concordo com ele”, disse o então presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini. De certo estava na esteira das negociações mais um ano de mandato para o então presidente.

Mas Alckmin “empinou a carroça” e se colocava contra o fim da reeleição.

A imprensa registrou inúmeros episódios do “ranço” que contaminava a relação deles.  Quando ambos tinham que comparecer a agendas institucionais como inaugurações de obras ou lançamento de programas governamentais a ausência de diálogo ou distância entre eles estrategicamente organizada pelos cerimoniais era o que se sobressaia nas coberturas.

Alckmin tinha o apoio dos 22 deputados estaduais da bancada tucana na ALESP (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo). E, em meio à escalada da disputa entre eles, foi proposta a divulgação de um documento da bancada tucana da ALESP, defendo a indicação do governador como candidato. O então líder da bancada, Ricardo Tripoli, conseguiu demover o movimento. “Listas deixam cicatrizes. Não tem sentido fazer isso”.

Trípoli — claro — fora escalado pelo prefeito de São Paulo para apagar esse “incêndio”. 

O prefeito trabalhava muito melhor os calendários da política a seu favor, adiando a escolha do presidenciável do partido.

Alckmin reagia pedindo pressa na escolha do candidato, justificando que a demora prejudicava a própria legenda. “[A decisão sobre o candidato] não deve passar do começo de março. Não há mais razão para postergar isso, pois traz prejuízos não aos possíveis candidatos, mas ao partido”.

Aécio Neves foi escalado para contrapor a ansiedade do seu correligionário. “Têm que tomar Lexotan alguns companheiros nossos. Tem que ter calma que tudo se resolverá. Vou repetir: o PSDB é um partido de homens públicos, não é um partido de aventureiros.”

Alckmin resolveu endurecer a negociação anunciando, em entrevista, que não disputaria nenhum outro cargo que não o da Presidência da República. Colocando a faca no pescoço da direção nacional do PSDB, também avisou que deixaria o governo antes do dia 2 de abril — prazo para desincompatibilização de cargos públicos de quem pretende disputar eleições.

O gesto de Alckmin desconcertou a tentativa do “triunvirato” do PSDB — composto pelo governador de Minas Gerais, Aécio Neves, do presidente nacional do PSDB, Tasso Jereissati, e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso — de construir uma escolha consensual, sem maiores traumas, que mantivesse a unidade do partido. 

Ficou ainda outro dilema para os caciques tucanos: se Serra bancasse a disputa e também optasse pela desincompatibilização, o PFL (que desde a aliança para a eleição de FHC gravitava eleitoralmente na órbita do PSDB) herdaria tanto o governo de São Paulo (cujo vice-governador era Cláudio Lembo), quanto a prefeitura da capital paulista (cujo vice-prefeito era Gilberto Kassab).

A elevação do impasse fez o tucanato considerar a realização de prévias para a escolha do candidato. Fernando Henrique Cardoso foi quem considerou a possibilidade. “Nenhum democrata deve ter medo de prévia. Tem que ver se é necessário ou não. Se for necessário, sim (haverá prévia). Mas não está colocada a prévia. Acho que vamos conseguir chegar a um bom resultado antes de qualquer coisa”. Alckmin gostou da ideia e passou a corroborá-la.

Internamente, porém, o triunvirato trabalhava contra a realização das prévias. Eles tiveram de construir com Alckmin o compromisso de que ele não insistiria com a medida, caso o escolhido fosse Serra. Eles explicaram ao governador que o açodamento que ele vinha dando à escolha do nome era desnecessário, já que Serra estava indeciso sobre se concorreria, ou não, ao Palácio do Planalto.

O embaraço que teve início com a confraternização organizada pela bancada do PSDB da Câmara dos Deputados, numa churrascaria no bairro Morumbi, em São Paulo, precipitou o “conclave” tucano. O evento lotou. Cerca de 450 pessoas convidados. Serra compareceu, mas não se demorou. Saiu rápido, nem tão sutilmente. Acabou levando com ele, espaçadamente, FHC, Aécio e Tasso para outro “jantar”, num restaurante no bairro Jardins, também na Zona Oeste de São Paulo.

Foi um puta mal-estar para os presentes que logo entenderam o que estava acontecendo.

No seu petit comité, Serra insistiu que a escolha do presidenciável tucano não acontecesse por meio das prévias. Ponderava que a medida acentuaria a desagregação da legenda, e por isso não era conveniente. Ao mesmo tempo, também queria garantias de que o partido não iria rachado para as eleições presidenciais. Ou seja, pediu ao triunvirato que assobiassem e chupassem cana, tudo ao mesmo tempo. Detalhe: sem dar certeza de que seria realmente candidato.

Paralelamente aos solavancos do viveiro tucano (ou graças a isso) o presidente Lula começava a recuperar sua aprovação e popularidade. No mês de fevereiro de 2006, pesquisa do Datafolha apontava que ele já estava tecnicamente empatado com Serra. O petista tinha 33% das intenções de voto, o tucano registrava 34%. “O empate ocorre porque, como a margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, Serra pode ter, na verdade, entre 32% e 36% das intenções de voto, enquanto Lula se situa em uma faixa que vai de 31% a 35%”. Nas simulações em que Alckmin era testado como candidato, Lula ficava 16 pontos à frente (36% a 20%).

A recuperação de Lula e a escalada da tensão pela escolha do presidenciável tucano fez o triunvirato enquadrar Serra como Alckmin, para por fim a disputa entre eles e colocar logo o bloco na rua.

Como Serra seguia com o “chove não molha” da sua candidatura, disseram a ele que se fosse mesmo disputar a vaga com Alckmin chamariam uma reunião ampliada da sigla com todo o diretório nacional. Seria indicado candidato quem dos dois conseguisse a maioria dos 213 votos do diretório. Pela elevação da temperatura no partido, já não era mais possível definir o candidato sem um processo de escolha. Também avisaram que não adiaram mais a definição do candidato por nenhum outro motivo.

Se submetesse a escolha daquele colegiado, Serra levaria a melhor. Ele tinha melhor entrosamento que Alckmin com lideranças tucanas de outros estados. Por várias razões. Por ter sido ministro da Saúde, o último candidato tucano e também presidente nacional do PSDB.

Serra era quem as pesquisas davam melhores condições de disputa. Mesmo com toda essa vantagem a seu favor, o prefeito paulista não transmitia segurança em querer concorrer novamente ao Palácio do Planalto. Era como se estivesse na disputa pela indicação apenas para deixar aberta mais uma janela de oportunidade. Não havia mais tempo. Grosseiramente falando, era a hora do “ou dá ou desce”. 

Aécio Neves comunicou à imprensa que a escolha do presidenciável tucano seria feita por todo o diretório do partido. O mineiro explicou que Serra havia mudado seu entendimento inicial, e que sujeitaria à definição colegiada. “Ambos aceitaram o fórum do diretório nacional como instrumento desta decisão”, disse o então governador de Minas Gerais.

Alckmin e Serra resolveram conversar antes da prévia peessedebista. Reuniram-se no gabinete do prefeito. Serra disse da sua vontade de concorrer mais uma vez à Presidência da República. Discorreu sobre a importância de se evitar um processo de seleção no interior da legenda. Alckmin pontuou que também gostaria de ser candidato, e, por isso, sinalizou que as prévias seriam inevitáveis. 

Mantido o impasse, Serra se retirou da disputa, frisando que o faria por “responsabilidade política”, porque entendia que as prévias dividiriam ainda mais o partido para a eleição. Ato contínuo, telefonou para Tasso Jereissati (presidente da sigla) e avisou que estava abrindo mão da disputa.

No diretório estadual do PSDB de São Paulo, onde seria divulgada a escolha do nome do partido, os militantes nutriam a expectativa de que Serra comparece à solenidade, num gesto de coesão e unidade partidária. Frustaram-se. Afora a ausência do prefeito de São Paulo, outro não-comparecimento se fez notar: o do líder do PSDB na Câmara, Jutahy Júnior (BA), tido como um dos principais entusiastas da candidatura de Serra ao Planalto.

Num gesto para desanuviar o clima entre eles, Alckmin foi direto da sede do partido para o gabinete de José Serra. Lá, o de sempre: fotos protocolares e afirmações de que não perdurava mais nenhuma crise — o que obviamente não era verdade.

Desistindo da candidatura à Presidência, como “prêmio de consolação” Serra virou o candidato tucano ao Palácio dos Bandeirantes. Tal como quando se lançou na disputa à prefeitura da capital, entrou derrubando outros pré-candidatos: o vereador José Anibal, o ex-ministro Paulo Renato, o então secretário municipal José Anibal e o deputado federal Alberto Goldeman.

Serra venceu facilmente a eleição, entrando para a história como o primeiro governador do estado eleito em primeiro turno, desde que a eleição de dois turnos foi instituída pela Constituição de 1988. O tucano somou 57,98% dos votos válidos, contra os 31,63% obtidos pelo petista Aloízio Mercadante, e os 4,57% alcançados pelo ex-governador Orestes Quércia (MDB).

Difícil foi a campanha de Alckmin.

Tendo como vice o senador José Jorge pernambucano, José Jorge, do PFL, Alckmin teve de lhe dar com o embaraçoso apoio de Roseana Sarney (PFL-MA) a Lula. No Maranhão, aliás, os palanques dos presidenciáveis foi um sururu à parte. O PT maranhense estava na chapa do pedetista Jackson Lago, mas Lula subiu no palanque de Roseane.

Outra “deserção” (sendo essa mais sutil) era engendrada por seu correligionário mineiro, o governador Aécio Neves. Os tucanos estavam intrigados com a contraditória dificuldade de contaminação do alto prestígio, popularidade e liderança política de Aécio a campanha de Alckmin. 

Foi quando começou a circular na imprensa e entre as lideranças políticas a notícia da formação de uma chapa informal entre o PT e o PSDB mineiro, a “Lulécio”. Os fatos se sobrepunham às negativas. Aécio recebera o apoio declarado de 23 dos 86 prefeitos mineiros do PT à sua reeleição. Dos tucanos, era quem tinha a relação mais próxima com o presidente Lula. E, segundo Ciro Gomes, Aécio teria salvado o mandato de Lula. Segundoo ex-ministro de Lula, ele teria papel fundamental no desmonte de uma “articulação golpista” em 2005 que, por meio da CPI dos Correios que investigava denúncias do mensalão. “Íamos para o hangar lá em Belo Horizonte e brigávamos muito, mas chegávamos a um acordo que era avalizado pelo Aécio. Ele nos ajudou a salvar o mandato de Lula”.

Alckmin também foi permanente pautado pela campanha petista. Ora sendo acusado de retomar a privatização das estatais (processo à época demonizado) ou de que poria fim ao Bolsa Família — um dos principais motores da popularidade do petista. “É um absurdo esse jogo sujo. Fico triste de ver o próprio candidato Lula dizer essas coisas sem a menor veracidade”, reclamou o tucano. Tal como Serra em 2002, Alckmin não se dispôs a defender o legado dos oitos de Fernando Henrique Cardoso na Presidência da República.

Patinando, sem conseguir crescer nas pesquisas, Alckmin ficou a maior parte do tempo assombrado com a possibilidade de ver o petista se reeleger já no primeiro turno. Dois episódios contribuíram para que a eleição ganhasse um 2º tempo. Dois “equívocos” do próprio PT.

Faltando 15 dias para o primeiro turno das eleições, uma operação da Polícia Federal apreendeu registros fotográficos e em vídeo candidato do PSDB ao governo de São Paulo, José Serra, em uma solenidade de entrega de ambulâncias. Era um falso dossiê que o ligava à máfia dos sanguessugas — quadrilha que atuava desviando dinheiro público, por meio de fraude em licitações para aquisições de ambulâncias e equipamentos médico-hospitalares. Além do conteúdo, também foi apreendida a quantia de R$ 1,7 milhão de origem não declarada. 

O dossiê seria entregue pelo empresário Luiz Antônio Vedoin, um dos operadores do esquema de corrupção, a um militante do PT, Valdebran Padilha da Silva. Em depoimento à PF, Gedimar disse que fora “contratado pela Executiva Nacional do PT“, a fim de negociar com a família Vedoin a compra de um dossiê contra os tucanos.

Embora fosse uma ação aparentemente ligada à disputa do governo do Estado de São Paulo, acabou embaraçando nomes vinculados à campanha de Lula. No meio político também circulava o boato de que a oferta do dossiê tinha sido uma espetacular “casa de caboclo” montada pelos tucanos.

A segunda imprecisão da campanha petista foi o não-comparecimento do presidente aos dois debates organizados no primeiro turno, um pela Rede Bandeirantes e outro pela Rede Globo. No último confronto direto entre os presidenciáveis, a três dias do primeiro turno das eleições, a ausência do petista foi duramente criticada por seus adversários: Heloisa Helena (PSOL), Cristovam Buarque (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB).

Abertas as urnas, na primeira das eleições Lula teve 48,61% dos votos válidos (46.662.365), e Alckmin obteve 41,64% (39.968.369). 

Para o tucano o segundo turno das eleições foi eleitoralmente mais trágico que o primeiro. Quando Alckmin recebeu, no estado do Rio de Janeiro, o apoio do casal Garotinho (Anthony e Rosinha, ambos ex-governadores), o tucano pôs fogo no palanque que o sustentara até então.

Primeiro foi o prefeito do Rio, César Maia, anunciando que deixaria a campanha. “Não podemos estar no miolo de uma campanha que começa completamente equivocada. Não dá para andar na rua com Rosinha e Garotinho. Se (Alckmin) andar na rua com os dois, vai receber vaias. Se houver tomates, é melhor que se use capacete”, disse o prefeito em entrevista coletiva no Palácio da Cidade.

Na sequência, a candidata do governo do Rio de Janeiro, Denise Frossard (PPS), que disputava o segundo turno das eleições contra Sérgio Cabral (PMDB). “Alckmin, definitivamente, não gosta do Rio. Retiro o meu apoio a ele e vou cuidar da minha vida.” Como se não fosse devastadora a primeira afirmação, foi além. “Vou anular o meu voto”. 

Sem muito o que dizer, Alckmin tentou minimizar a polêmica, mantendo seu apoio à Denise Frossard. A candidata até voltou atrás, manifestou voto em Alckmin no segundo turno, mas o estrago já estava feito.

O tucano posou para foto ao lado de do casal Garotinho justamente quando a campanha petista entoava um “não troque o certo pelo duvidoso”.  “foi um tiro no pé”, reconheceu Alckmin.

No segundo turno Alckmin até mudou de ideia sobre a reeleição. “No que depender de mim, eu vou parar com a reeleição. Eu tive de deixar o governo paulista meio ano antes, mas o presidente fica onde está. Não há uma regulamentação adequada. Sem essa preocupação de reeleição, acho que poderei fazer um governo melhor”. Era uma aceno para Serra e Aécio Neves. Não surtiu efeito.

Findada a segunda etapa da disputa, Alckmin conseguiu a façanha de ter menos votos no 2º turno do que no primeiro. Dos 39 milhões que tivera na primeira fase da eleição, caiu para 37 milhões. “O eleitor viu Alckmin como um anti-Lula. Com o esfriamento do noticiário, esses votos voltaram para Lula”, avaliou o diretor do Instituto Datafolha, Mauro Paulino. Ele também conjecturou que porque parte dos eleitores que votaram em Alckmin o fizeram em protesto contra o petista depois do surgimento do escândalo do dossiê antitucano e pela ausência de Lula aos debates na televisão.

Já a análise do então diretor do instituto Vox Populi, João Francisco Meira, para redução dos votos do tucano no segundo turno, creditou ao eleitorado uma vontade de que houvesse uma segunda rodada eleitoral, para que pudessem analisar propostas e planos de governo para melhor escolha do candidato — somado, também, a problemas de comunicação da campanha. Segundo ele, Alckmin não teria conseguido consolidar a imagem de que poderia ser um presidente melhor do que Lula. “Ele teve dificuldade em se tornar familiar ao eleitor. Era um desafio muito grande”, declarou.

Ao final da apuração, ao lado do governador eleito José Serra, Alckmin resignou-se. “Estou feliz, com a consciência tranquila. Fiz o máximo que pude, me esforcei, percorri o Brasil levando a mensagem da integração nacional”, disse o tucano, concluindo: “A vida, como a democracia, é feita de conquistas, dificuldades, alegrias e momentos difíceis”.

Derrotado, Alckmin experimentou profundas incertezas sobre seu futuro no PSDB. Só foi “recuperado” quando teve início o “pugilato” entre Serra e o mineiro Aécio Neves pela indicação o tucana das Eleições Presidenciais de 2010.

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