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Os revolucionários do mesmo: sobre as mudanças que fazem tudo permanecer como está

Os revolucionários do mesmo: sobre as mudanças que fazem tudo permanecer como está

(Texto de 2014, o que prova que pouco avançamos…)


A democracia brasileira é bem interessante. De tão frágil em suas bases – ela foi dada, e não conquistada, como quase tudo por aqui -, ao invés de abrigar as diferenças e permitir a coexistência de liberdades, tem até mesmo fomentado a emersão de totalitarismos de todo tipo. Os donos do poder hoje se autorizam não só a pensar – porque o pensamento é absolutamente livre, e assim deve ser – mas acham legítimo escrever, o que é bem diferente, suas sentenças de ódio (digo isso também incentivado pelo que soube ter escrito Rodrigo Constantino em Veja, a propósito dos rolezinhos: “não aceitam conviver com as diferenças, tolerar que há locais mais refinados que demandam comportamento mais discreto, ao contrário de um baile funk. São bárbaros incapazes de reconhecer a própria inferioridade, e morrem de inveja da civilização”). O trecho sintetiza bem o cerne da questão: o problema não seriam atos violentos ou a prática de crimes durante os tais rolezinhos, mas a inferioridade (reafirmada) de uns, frente à superioridade de outros; a civilização de uns, comparada à barbárie (“natural” e insuperável) de outros. Determinismos perigosos, em que a “civilização” de uns vem sendo causa das maiores barbáries humanas… 
Mas, esquecendo o nazismo e outros fenômenos civilizados (a civilização Constantina!), voltemos à democracia brasileira, enquanto berço de totalitarismos diversos, em meio aos quais tem sido interessante observar o absolutismo que se expressa em vários discursos vitimizados, muitas vezes tão agressivos quanto aqueles contra os quais se insurgem. A radicalidade dos opostos tem se encontrado no mesmo ódio, na mesma pretensão totalitária, terminando por se esvaírem os discursos de agressores e agredidos no mesmo ralo das intolerâncias mútuas. Reparem bem: as lutas e esforços dos oprimidos não se concentram em demandas sérias e manifestações agudas por transformações das condições primárias capazes de permitir a inserção de todos, em igualdade. Os vigores são investidos, por exemplo e muitas vezes, na criminalização de condutas, segundo um ânimo revanchista e uma crença – ilusória – de que o Direito Penal resolve alguma coisa. E o exemplo é simbólico, por tudo o que representa o Direito Penal em termos de poder, sendo assim mais fácil ilustrar o problema, expondo-se o circuito autofágico que põe a perder legítimas pretensões de igualdade – consideradas as situações expostas, de agressividade e sobrevalorização do sistema penal: à medida que os discursos vitimizados se tornam agressivos e se expressam em atos violentos, passam a autorizar o uso da força justamente por parte daqueles que são os históricos algozes. E mais: o Direito Penal só vale (efetivamente) para alguns, de modo que a criminalização de determinadas condutas termina por ser contraproducente a certos esforços de “afirmação”, na medida em que a ineficácia da repressão terminará por aumentar o sofrimento ao reafirmar a condição da “vítima”, perpetuando as agressões contra as quais se insurge. Em síntese, o absolutismo totalitário de discursos vitimizados que muitas vezes se expressa em esforços pela criminalização de condutas serve ao poder posto, e só se presta a manter tudo como está. 
Ou seja, se o problema são os mais variados tipos de ódios e violências, não será através da manifestação de ódios e violências contrapostos que se transformará o estado de coisas estabelecido. Crimes não se resolvem com outros crimes, de modo que, se as reações a agressões se limitam a reproduzir violência e não têm outro motivo que não o ódio, o que temos é uma relação especular, de imagens exatamente iguais, embora invertidas, que jamais poderão estabelecer um diálogo justamente porque não são diferentes – mas absolutamente iguais, ainda que invertidas. 
É isso: muitas vezes, se serve ao sistema pensando contrariá-lo. E tudo continua como sempre foi…

A propósito, o sistema é bruto.

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