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Contenda de vizinhos

Vizinhos, Reinaldo é brasileiro e Telmo é porteño. Ambos se consideravam amigos até acontecer um racha por causa de terras em comum.

Reinaldo é nascido no interior. Veio para a Capital, como muitos de nós, tentar uma vida melhor para ele. Formou-se em Administração e, agora, abre o seu próprio boteco.

Telmo é uma figura caricaturalmente porteña. O típico argentino chato e ranzinza, mas que, se você tratar com amor, te oferece um drinque por conta da casa. Veio para o Brasil com 25 anos. Estudou Design na UEMG, fez especialização em Mídias Móveis Alternativas em sei lá onde ele fez esse curso e hoje comanda um dos estabelecimentos mais populares da zona leste boêmia belorizontina. Em Santa Tereza, difícil você não ficar sabendo do Bar do Reinaldo e do San Telmo’s Café.

Divididos apenas por uma rua, os estabelecimentos são de donos que, antigamente, conviviam no mesmo espaço, dividiam as mesmas cervejas e contemplavam as mesmas garotas. OK, não exatamente as mesmas porque argentinos têm gostos diferentes dos nossos, mas lo que se fueda. Conviviam muito bem, bem mesmo até Telmo criar a sua birosquinha, bem incipiente, nos fundos da casa que eles dividiam.

No começo, era muito bem frequentado. Não era lotado. Não era calorento. Telmo e Reinaldo dividiam funções. Telmo gostava de fumar e conversar com os fregueses; Reinado era o homem do caixa. Telmo era o entretainer, Reinaldo era o cara-chato que fazia as burocracias.

Com uns cinco meses de funcionamento (até então a casa se chamava Santè Café), tudo funcionava bem. Até aparecer em um guia online sobre Belo Horizonte, um site com 100 mil visitas/mês. Começou o caos.

A casa começou a ficar cheia demais. Barulhenta demais. Insuportável demais. Era necessário que Telmo largasse os afazeres de mestre de cerimônias e que se dedicasse também às burocracias internas; os três garçons por eles contratados já não davam mais conta. Maldito guia! A paz que reinava, incessante, agora dava lugar à balbúrdia de ser mais um lugar agitadinho, frequentado por pseudo-anarco-cults de All Star de cano alto. O som tornara-se muito alto. Para agradar os novos clientes, Telmo improvisara uma trilha – retirara o tão delicioso e característico Lounge e o trocara por um massivo ataque insistente de House – se ainda fosse o seriado, seria melhor.

Reinaldo emputecia-se a cada dia. Queria Telmo ajudando os garçons, coordenando, ajudando… Não apenas se exibindo como mira, yo soy porteño, chicas. Resolveu dar um basta.

Ao findar um dia de expediente – sempre fechavam à meia-noite porque Telmo queria curtir a noite, a balada, las chicas mineras etc. – Reinaldo foi severo. Jogou Telmo contra a parede e lhe mostrou o tamanho do pau. (Por favor, isso tudo é linguagem figurativa.) Telmo deu de ombros. Reinaldo, puto-dentro-das-calças, pediu para sair. Naquela hora. Ainda que não tivesse onde dormir, ficar, comer e tal, arranjaria; não era marmanjo de lamúrias.

Passou a última noite como companheiro de quarto de Telmo sozinho. Arrumara as coisas e procurou a casa de um amigo logo cedo, em Santa Tereza, mesmo. Conseguiu se arranjar; juntou uma grana trabalhando no Seu Orlando, no Cardoso e em outros bares e restaurantes – sempre como caixa. Enquanto isso, o Santè Café já se tornara San Telmo’s. Uma repaginação houve no café. Com a saída do Reinaldo, Telmo ampliou o espaço de convivência. Agora, dejotas tocavam quintas e sábados; quarta era noite dos pratos especiais; sábado era um dejota renomado na cidade; e domingo era dia da ressaca, abrindo mais cedo.

Com dois anos, Reinaldo alugou um pequeno ponto em frente ao café do ex-amigo – não como forma de provocação, mas era o ponto mais barato que ele havia conseguido; paciência – e montou o seu copo-sujo. Com um pagode branco às quintas, o Bar do Reinaldo virou em pouco tempo um ponto obrigatório – assim como os bares do Morro dos Piolhos e o Bolão.

Hoje, é cada um na sua. Não conversam. Não trocam olhares. Muito menos bom-dia. Mas ambos têm um pequeno respeito múto – até porque copo-sujo e café-cult é moda.

Bruno Vieira

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