Relicário

A desumanidade do sarcasmo

A desumanidade do sarcasmo

Por Andrey Régis Melo

Nos últimos três anos, período de dedicação ao tribunal do júri, aprendi que cada criminoso possui uma singular história. Conheci o pai que matou para defender a filha; o guri que matou sob o comando do chefe da organização criminosa, o policial militar em depressão, o inocente equivocadamente reconhecido, o bêbado que apunhalou o desafeto no bar, o homicídio por vingança, o jovem que matou por discussão escolar, a
morte por causa de futebol, o companheiro que matou a companheira, o pai que matou o filho, o filho que matou o pai, a mãe, o pai e o filho que mataram o vizinho, os irmãos que mataram um desconhecido, os que carbonizaram as vítimas, a mãe que matou o filho, o homofóbico que matou o gay, o réu que foi abraçado pela mãe da vítima, enfim, a memória não permite fazer uma tipologia completa dos tristes casos penais levados ao
tribunal do povo. 
O que a memória traz à tona é que cada um dos acusados possuía uma singular história de vida; cada réu estampava um pequeno matiz dos dramas da vida humana. Alguns relatos auxiliavam na compreensão do episódio delitivo; outros, entretanto, não. Porém, todas as histórias de vida permitiam entender um pouco aquele momento do julgamento onde se encontravam a liberdade e a morte. A história, portanto, é importante tanto para o destino do indivíduo na sua singularidade como para o rumo do país. Na última segunda-feira, no entanto, o mandatário dos altiplanos brasilienses, em sarcástico desprezo do passado, celebrou o assassinato de um brasileiro pelo aparelho ditatorial – outrora havia festejado a tortura; em redes sociais, alguns concidadãos, numa espécie de simbólico eco presidencial, celebraram a morte de 58 presos em Altamira-PA, diziam algo sobre a rasteira teoria do bandido bom é o bandido morto. O fato é que existe o outro lado da história; é o lado do futuro. Se o sistema prisional continuar sendo tratado como uma máquina de embrutecer humanos, sairão de lá pessoas que não sentirão a mínima empatia pelo derradeiro pranto no semáforo da capital. A perdurar o pensamento do “cpf cancelado”, as condições atuais continuarão a reger a reprodução social de um sistema penitenciário cuja violência ultrapassa os muros do medieval cárcere que ora acolhe os corpos decapitados na contenda de facções. O caminho da desumanidade não é uma boa alternativa à solução dos problemas sociais, a história é farta em exemplos, guerras, lutas fratricidas, holocausto, escravidão, etc. O palmilhar do sarcasmo também não é uma adequada postura presidencial, muito pelo contrário, é uma repugnante conduta desprezada até mesmo pelos mais impiedosos facínoras em relação à morte da vítima.

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