Textos de colaboradores

Bago a la taurus

Maxs Portes é um arquiteto da literatura brasileira. São mais de 45 prêmios literários e mais de 50 publicações.  Ele adora sentar com a moçada num boteco e conversar sobre literatura como se tivesse falando de futebol. Maxs é o meu eterno professor e nos deu de presente “Bago a la taurus”, um texto escrito no final dos anos 60 e publicado, nessa época, no Suplemento Literário. Se eu fosse você não perderia essa leitura. 

BAGO A LA TAURUS:  Andou, desandou, de alucinante espera, acomodou o tempo aqui e ali, de passos indo e vindo, cá e lá, faltando dez minutos, nove, oito, sete, faltando a hora certa conforme o combinado, quando o relógio da igreja fez blém oito vezes, depois, meio blém, se passaram quinze minutos parecendo eternidade e nada de nada acontecendo a não ser mais esperar o esperado, o desejado, no inesperado combinado num acaso desses de acontecer como se está sonhando, beliscando o corpo a conferir, enquanto a verdade se faz sorriso maroto na maldade de santo nenhum desacreditar e o demônio sacudir felicidade no finalmente acontecendo pela graça do senhor ausente, de certo, àquelas horas para não ver o pecado dito no décimo mandamento, se desejar a mulher do próximo tem de haver retorno em chumbo trocado, briga de foice, espaço em cemitério, sol quadrado na cadeia e, vai daí, tudo arranjado no escondido, no escuro, de ser só segredo conforme foi, na hora de Maria-Mole arredar folhas, galhos, matos, pisando em cocos deixados nas moitas nascidas bem de propósito por detrás da sacristia, na igrejinha da Fé, no longe da rua descendo do paraíso para as calçadas de pé-de-moleque arregaçando botinas, chinelos, pés descalços e unhas encravadas, igual de Maria-Mole se desculpando atraso de muitos minutos, tempo e tanto, num entrecortado respirar de explicação assim e assado, não dando para sair na hora, que a hora foi de atender Ranufo querendo ela, outra vez mais, o miserável, indo se achegando já erguendo a barra de ouvir reclamação, quem sabe, em fraseado de amor, embora fosse amor coisa nenhuma, apenas desejo de  dar o dela, recebendo o troco tanto ensaiado o fora de olhares atravessados nos dias de ontens, dizendo isso, aquilo, restando silêncio apenas no vai-e-vem do pra-lá e pra-cá, em pé mesmo, porque desse jeito nem ardia um tico ao menos, aquela coisa toda no entra e sai, ajeitada de mãos nas ancas, forçando, espremendo, ao som de gemido seco, resmungo abafado, bafo de pinga no ar, tremura nos pés, rio de melado escorrendo nas beiras do de-dentro, em gotas pelo chão escuro, olhando Maria-Mole se afastar como chegou, sem dizer nem ai, nem ui, e ele igual,de fasto, guardando, no entortado que podia, o trabuco ainda quente, até chegar nos degraus da frente da igreja, ouvindo o relógio em blém de oito e meia, sem se importar mais não, embora o combinado fosse em antes das sete, de outro dia até, quando Ranufo inventou de inventar não sair de casa pra escutar a Hora do Brasil, notícia do preço do café, conforme boato, teria queda, relembrando o tempo de Vargas e ter de queimar tudo de pouco existente dele, o que seria um saco,coisa que Ranufo podia ter, mas só de café, porque sabia muito bem dum tiro trocado certa vez, a bala atingindo um dos bagos, cortado pela metade como se fosse laranja da Bahia, enquanto que o outro, dependurado e só, badalava do lado esquerdo da calça, onde todo mundo avistava o volume ou a falta de, do lado oposto, com Maria-Mole, mais tarde,afirmando, confirmando de tudo andar ainda nos conformes,se agitado muito, acarinhando um tanto e remexido outro, mas era mesmo de língua que Ranufo se saía muito melhor no encomendado, embora isso não satisfizesse a ela no seu gosto e gozo, pois não era a mesma coisa desse ou daquele,ali, no detrás da igreja, da sacristia, conforme foi com Marcolino, Tião-Nervoso, Pedro-Manso e ele, agora, dando testemunho da troca, sem que ninguém pudesse andar a par, e os não privilegiados, proibidos também de comentário qual fosse, até em antes de Ranufo tomar conhecimento um dia, se sempre tem de haver essa desgraça de um dia, chegando para tomar o de sempre no bar do Tadeu, ouvindo tais atrevimentos da pessoa dele, dela, indo lá conferir o dito, apertando Maria num canto da parede, do quarto, da cama, no confessado, porque era mole, a Maria, mandando, desde já, fosse ela combinando com uns e outros novo encontro no lugar do acostumado, em horário certo, indo ele mais cedo, aprontando aguardo de ver sombras em rasteiras no escuro, cortando moitas, arrastando vagaroso o último, esse, tateando o mudo, para se avistarem, conhecidos, no espanto de arrepiar pêlos dos peitos com Maria-Mole aparecendo no desnudo completo e de vez, em olhar de aviso a também eles, de igual, na lua cheia rebrilhando olhar sobre o cajueiro, no ver-pra-crer, junto aos carrapichos, carrapatos, de onde Ranufo se achava frente a eles, tolos, bem do jeito que Deus o fez assim no mais pelado, atirando como quem diz, no tetê-a-tête; é um, é dois, é três, é quatro, restante um grito de Maria-Mole pedindo perdão à-toa, com o corpo cravado deles, dos remorsos, caindo sobre todos, até ninguém dizer mais ai nenhum, nem se escutar, antes da hora certa de subir para o além, qualquer gemido, ficando só Ranufo com uma bala engatilhada, apontada para o único bago sapecado em tiro faltante, de misericórdia, não morrendo por causa disso, mas deixando seu vulto pelado saindo em cambaleio rumo às escadas da igreja, para ir-se cuidar no hospital dos inválidos, logo ali, na rua de baixo, jurando nunca mais saber de querer ninguém, nem ter, fosse quem fosse, dele, a oferecer sobremesa, imagina, fora de hora!

Maxs Portes

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