F.D.P
Já podia ouvir o barulho das sirenes que se aproximavam do pé do morro.
F.D.P. passou a mão na barriga e percebeu que o sangue não havia parado de descer. Não dava mais para correr, sentia-se cansado. Só podia ficar ali, sentado no canto escuro daquele beco, um dos pontos mais altos da favela. Apertou contra o peito sua .12 de estimação e viu que a única opção que tinha era esperar para ver o que a sorte lhe reservava.
Àquela hora, os canas já teriam cercado tudo.
Sem saber o porquê, olhou para o céu e viu que era noite de lua cheia. Há muito não parava para observar o céu.
Tentou lembrar sua infância. Esforço em vão. Nem do rosto de sua mãe, P.Q.P., conseguia lembrar-se. E nem podia. Segundo F.M.P., seu irmão, sua mãe havia morrido de tanta cachaça, logo depois de seu nascimento. A vovó falava que ela começou a beber depois que meu pai foi embora.
Conseguiu lembrar as brincadeiras de pique no Cemitério da Consolação. O Sêo Zé Coveiro ficava puto. Será que se morresse seria enterrado lá? Claro que não. Para lá só ia grã-fino. Seria enterrado como indigente, isso se não fosse jogado no rio como o N.S.J. e o Z.N.S., para aparecer dali a três dias com a boca cheia de bicho. Deus me livre e guarde! Puta-que-pariu, por que pensava nisso agora?
Tratou logo de afastar os pensamentos.
Sentia sede.
Pensou em R.M.G., a menina de coxas grossas mais safadinha da região, que se encarregou de lhe tirar a virgindade. Depois foi só alegria. Fez fama de gostosão e, em pouco tempo, papou até a E.T.M., mulher do cara que, antigamente, comandava todos os negócios da área.
A dor estava aumentando. O sangue já formava uma poça embaixo de F.D.P..
Depois começou a se perguntar por que estava ali, enfim quando começou esta merda toda.
Pensou no seu primeiro assalto, aos 12 anos, depois de cheirar sua primeira carreirinha para criar coragem. Playboy desgraçado, se ele não tivesse reagido, eu não precisava dar aquele teco nele.
O tráfico veio logo em seguida. Parou de cheirar pra vender. Herdou o negócio do irmão mais velho, F.M.P., que, por sua vez, o havia tomado após matar o marido de E.T.M., e que, logo depois, foi morto em mais uma disputa pelas bocas.
Época de vacas gordas, aquela! Não faltava carne em casa. Só pilotava carrões e chovia mulher. Parecia um sonho, viver às custas do vício dessa podridão que eles chamam de nata da sociedade. Um bando de riquinhos que fazia qualquer coisa por um pouco de pó. Tinha umas patricinhas que até valiam a pena. Cheirosas, bem arrumadinhas, cheias de merda na cabeça e doidinhas pra dar uma cheirada.
As coisas estavam indo muito bem, até que aquele chefão do Balança-mas-não-cai começou a crescer os olhos nos negócios das bandas de cá. Chegou tentando botar banca, cheio de cordão de ouro no pescoço e nos braços, com a automática à vista. A camaradagem anda dizendo que ele até vai ser homenageado por uma escola de samba.
Ia, ou, se vai, será em homenagem póstuma, depois daquele monte de chumbo que eu acabei de enfiar nele. Se a turma dele não reagisse, seria bem mais fácil. A polícia não estaria aqui e eu não estaria sangrando feito um porco.
Já ouvia o latido dos cachorros e alguns tiros. Devem ter acertado alguém, ou da turma, ou o primeiro inocente que eles exibem amanhã em todos os jornais, com aquela velha tarja preta nos olhos e as iniciais, dizendo tratar-se de um dos maiores traficantes do Estado.
Arrastou-se até a esquina do beco e pôde ver a galera descendo e se posicionando para dar cobertura.
O primeiro cana que apontou na viela foi recebido à moda da casa, três balaços no peito. Aí começou aquela zona. Era azeitona quente pra todo lado.
Estava completando dezoito anos. Podia entregar-se, sem reagir, passar uns nomes aos homens… Aí ia virar cagüeta e, se os canas não o pegassem, a malandragem se encarregaria disso. Mas, só assim poderia sair vivo daquela…
Pensando isso, sorriu.
Levantou-se com algum esforço e começou a retribuir os tiros.
Barroso da Costa
Os Impublicáveis