O imbrochável brochou
Achei bastante instrutivo — e até um pouco terapêutico — recorrer ao pensamento de um reacionário para tentar compreender os argumentos apresentados nos embargos da defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, nesta segunda-feira, dia 27. Nelson Rodrigues, notório entusiasta do regime militar, foi também um voyeur do comportamento humano, escritor, jornalista, romancista, teatrólogo, contista, cronista — um homem de múltiplas máscaras e nenhuma modéstia. Um dos dramaturgos mais influentes do Brasil, e, vejam só, nem parecia de direita… mas infelizmente era.
Mesmo sendo destro de carteirinha, o senhor Nelson não parece ter sido muito lido pelos devotos de Bolsonaro. Talvez por isso não tenham aplicado na prática a essência do pensamento rodriguiano, aquele que dizia que “o adultério não depende da mulher, e sim do marido, da vocação do marido. O sujeito já nasce marido enganado.” No caso em questão, a mulher seria Jair, e o marido, Mauro Cid — uma relação simbiótica e, digamos, pouco ortodoxa. Ainda que o gênero seja detalhe, faltou-lhes o talento dramático dos adúlteros de A Vida Como Ela É, que negavam até o último suspiro.
Já na fase dos embargos, a defesa alegou que a condenação se baseou em provas frágeis e que não houve tempo hábil para analisar o grande volume de documentos antes das audiências. Mas, se não analisaram, como chegaram à conclusão de que eram frágeis? Claramente, um caso exemplar de clarividência jurídica. Outro argumento, de uma sutileza quase poética, afirma que Jair não teve participação direta nos atos apontados pela acusação. Ou seja, teve participação — mas só um pouquinho, de leve, sem compromisso. Algo como: mamou, mas depois cuspiu o leite.
O ápice da criatividade, contudo, está no argumento da “desistência voluntária”: Bolsonaro teria iniciado uma ação golpista, mas interrompido por vontade própria. É bonito ver o livre-arbítrio em ação, mesmo em golpes de Estado. Em uma crônica de Nelson Rodrigues — que, convenhamos, escrevia melhor que os advogados do ex-presidente —, seria como flagrar Jair em um quarto de hotel com outrem, ambos nus e enlaçados, mas ainda assim inocentes, pois, pela primeira vez, o imbrochável teria brochado, inviabilizando a consumação do ato.
Robert de Andrade