Camilo Lucas

série “Grandes álbuns conceituais” – I

Na história do rock, alguns álbuns marcaram época, e acabaram se desdobrando em filmes, musicais da Broadway, superconcertos e tudo o mais que acompanha as obras-primas. Outros foram significativos pela revolução que provocaram (Sgt. Peppers, dos Beatles, por exemplo). “Exile on Main Street”, dos Rolling Stones, condensou revolução, hippieismo, cultura da droga e rhythm & blues em um só pacote. The Clash, Velvert Underground, Secos & Molhados e outros, tiveram seus álbuns antológicos. Nesta série, vamos falar sobre álbuns conceituais que entraram não só pra história do rock, mas também para a do cinema, do teatro e de outras mídias. Pra começar…

Pink Floyd: The Wall

  

                Lançado em 1979, “The Wall”, álbum duplo, foi idealizado e quase todo composto por Roger Waters (vocal e baixo), cada vez mais “dono” do Pink Floyd. Nick Mason (bateria) e Rick Wright (teclados e vocal) participam apenas como músicos, e este último chegou a ser “demitido” durante as gravações, após um chilique de Waters. David Gilmour (guitarra e vocais), co-autor de algumas das músicas e da maioria dos arranjos, atingiu ali o auge de seus desentendimentos com Waters, que geraram o fim da banda poucos anos depois.

                “The Wall” entrou automaticamente para a galeria dos clássicos do Pink Floyd, por todos os motivos. Um disco conceitual, contando a história de um cara que ergue um muro psicológico ao seu redor e se isola do mundo exterior. Mas apesar da temática complexa, foi costurado de tal forma que se tornou um dos álbuns mais vendidos da banda (perde somente para “Dark side of the moon”) e algumas de suas canções tocaram nas rádios ad nauseum.

A banda lançando “The Wall”, 1979

                Segundo Waters, era sua visão de pesadelo sobre o lado fascista do “rock business”, em que a música pop tornara-se apenas mais um negócio, no qual a comunicação entre artista e platéia inexistia e toda a experiência se resumia ao “masoquismo de pessoas que pagavam para serem machucadas e pisadas por um ditador em cima de um palco”. Transmitiu tudo isso em meio a letras contundentes e músicas elaboradas como “The thin ice”, “Confortably numb”, “Nobody’s home” e “Another brick in the wall (em três partes). Todas elas intercaladas, formando uma ópera-rock. A colaboração do produtor Bob Ezrin (Alice Cooper, Kiss, “Berlin”, de Lou Reed) foi fundamental não só para o resultado final do disco, como para evitar que Waters e Gilmour se estrangulassem durante as gravações, atuando como bombeiro.

O filme

O diretor Alan Parker sempre gostou de trabalhar com o rock (“The Commitments”, sobre uma banda de soul da Irlanda, ou “Bird”, com trilha sonora de Peter Gabriel), e viu na história do disco um roteiro completo para um filme, tanto que simplesmente acrescentou imagens às músicas. O filme “Pink Floyd – The Wall” toca o disco inteiro, contando a história através das imagens criadas por Parker e pelo animador Gerard Scarfe, que tinha criado a capa do disco. O trio se completou com Roger Waters na supervisão, sendo que ele dispensou os outros floyds do processo. Eles só viram o filme nos cinemas.

  

Bob Geldof em “The Wall”

                O resultado foi uma produção “pirante”, que eu vi no cinema quando foi lançado e revi todos os dias até sair de cartaz (pense se meu pai tinha dinheiro pra comprar vídeo cassete naquele tempo!). Daquelas que deixam, à primeira assistência, uma sensação de “barato”, como se tivesse acabado de tomar uma caneca de chá de cogumelo. A princípio, o papel de “Pink”, o cantor de rock protagonista da história, seria vivido pelo próprio Waters, mas ele não “colou” como ator. Foi chamado então para o papel Bob Geldorf, o cantor da banda punk “Boontown Rats”, que mais tarde seria o idealizador do “Live Aid”.

                Lançado em 1983, o filme foi massacrado pela crítica e idolatrado pelos fãs do Pink Floyd e de rock em geral. Totalmente permeado pelas lembranças de infância de Roger Waters, traumatizado pela morte do pai na 2ª. Grande guerra, o que seria exacerbado em “The Final Cut”, álbum seguinte do Floyd que pode ser considerado um solo de Waters, o filme teve sequencias históricas, como a animação de Gerard Scarfe ao som de “Goodbye blue Sky”; as crianças no moedor de carne, de onde saiam como lingüiça, ao som de “Another brick in the wall”; ou a encenação do show de rock ao som de “Run like hell”, antes de o show virar um discurso nazista, concluindo com um gigantesco julgamento de Nuremberg, onde o juiz era uma lombriga.

                O maior problema enfrentado pelo diretor Alan Parker foi que cada pessoa que ouve o disco The Wall do princípio ao fim, pode mentalizar o seu próprio filme. Mas Parker conseguiu transpor o disco para o celulóide e não deixou nada a desejar (minha opinião). É um clássico dos “rock movies”, ao lado de “Tommy” (The Who), “A hard day’s night” (The Beatles), “The song remains the same” (Led Zeppelin) e “Jesus Christ Superstar” (Andrew Lloyd Webber).

desenho do genial Gerard Scarfe para o filme “Pink Floyd – The Wall”

 

The Wall em Berlim

                Em 1989, Leonard Chesire, herói de guerra inglês, que fundou o Memorial para Reparação de Desastres de Guerra, pretendia levantar 1 bilhão de dólares (US$ 10 para cada vítima de guerra no século XX, até então) para prestar assistência em futuros conflitos. Ele convenceu Roger Waters, que já tinha pulado fora do Pink Floyd, a realizar uma montagem beneficente de The Wall. Numa coincidência histórica, meses depois aconteceu a queda do Muro de Berlim! Estava providenciado o local histórico e o símbolo perfeito.

O show em Berlim

  “The Wall of Berlin” foi um mega evento, com helicópteros da Força Aérea Americana, uma banda soviética de 100 peças, bonecos gigantes e o muro que vem ao chão no hiper-climático final, repetindo a cena de seis meses antes.

                O show aconteceu em 1990. Algumas passagens marcantes: Sinnead O’Connor interpretando “Mother”, Van Morrison detonando “Confortably Numb”, os Scorpions abrindo o show com “In the flesh”, entrando no palco em motos; Roger Waters, é claro, cantou a maioria, pois ele era o próprio protagonista da história, e fez no palco o que não o deixaram fazer no filme. O show foi teatral, como um musical da Broadway. 200 mil pessoas assistiram in loco e milhões pela TV. Do show, foram lançados um disco e um vídeo.

                A grande falha: não ter a participação dos outros Floyds. Eles tinham voltado a tocar com o nome Pink Floyd e Roger Waters travava uma batalha na justiça contra eles por isso (perdeu). Perdemos todos com essa picuinha. O Pink Floyd completo neste palco seria uma das maiores estrelas brilhando na constelação do rock. Isto aconteceu no Live 8 (olha os elos: organizado por Bob Geldof… o único que conseguiu reunir os 4 por uma única vez mais). Hoje Rick Wright está morto, Roger Waters faz uma turnê solo tocando The Wall na íntegra, e eu acabo de redigir este texto ao som de Auder Jr. Blues Gang tocando uma versão shuffle de Sweet child o’mine.

Camilo Lucas

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