Barroso da Costa

Nossa expulsão do paraíso

Embora não seja especialista na matéria, uma das coisas mais interessantes sobre as quais a Psicanálise me fez pensar diz respeito à nossa expulsão do Paraíso. Isto mesmo. Sobre aquele lance de comer a maçã proibida e, a partir de então, ter vergonha de nossos corpos nus, ter de trabalhar para comer, sentir tesão pela marquinha de biquíni da Eva etc.

Ao sermos despejados do Éden, nos tornamos homens. O mundo evoluiu, o machismo já não impera e hoje podemos ser homens e mulheres, com direitos iguais. Já se pode inclusive ser gay, lésbica, simpatizante, transexual, pansexual, metrossexual, a um metro de ser homossexual e – para o horror de muitos – ainda nos é permitido optar pela heterossexualidade.

Este excesso de nomes para o que no Paraíso seria denominado simplesmente de macho ou fêmea vem bem a calhar quando se trata de tentar explicar nossa expulsão daquele recanto de paz, sossego e tranqüilidade pelo qual muitos ainda anseiam. Vem bem a calhar porque, diferentemente do que ainda pensa boa parte da população ocidental, o que implicou nossa retirada do estado de natureza não foi a atenção dada a uma serpente ou a mordida numa maçã. Pelo menos não no sentido literal ou psicótico destes substantivos.

Aliás, é justamente a necessidade de ter que representar nossa expulsão que explica o porquê do amargo despejo. É a possibilidade de enxergar uma maçã para além da fruta e uma serpente para além do ofídio. Ou seja, é a inevitabilidade do simbólico e, logo, da palavra que nos diferencia de uma samambaia ou de um cabrito, já que é a partir dela que nos sabemos vivos, diferentemente dos animais ou plantas, que simplesmente são, sem ter consciência de sua existência, sem ter consciência, sem ter, sem.

A necessidade da palavra e da comunicação marca a nossa não-integração com o natural, a nossa desintegração complexa. Uma incompletude inerente à nossa condição e que nos faz falar, falar e falar, na tentativa de formarmos laços que, em nossa fantasia, nos tornarão completos, devolvendo-nos ao Paraíso perdido.

Mas aí surge o mal-entendido, próprio dos seres não-absolutos, que têm consciência do que foi e planejam o que será; que raramente se detêm no que está sendo e menos ainda no que é, o que os lembra novamente de seu distanciamento da natureza, em que se existe num eterno presente, sem se lembrar de um passado ou vislumbrar um futuro.

É pela palavra, portanto, que temos notícia de nosso vazio próprio aos não-seres históricos que precisam nomear-se para serem mutuamente reconhecidos em prol de uma realidade pactuada e, portanto, não-natural. Mas é através dela que podemos desejar e, assim, tentar contornar este vazio e continuar vivendo, amando e enganando a dor que resulta daquilo que nos acompanha ao longo de toda a vida, para nos lembrar de nossa expulsão do Éden: a angústia de nos sentirmos humanos e incompletos.

Se, por um lado, a palavra é nossa desgraça, por outro, é nossa tábua de salvação.   

Dela, pois, façamos bom uso.

 Barroso da Costa

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