Relicário

Parte Sete – 2060

Sibéria, 13 de dezembro de 2060.

Andreiev Melochenko[1]

As filhas de Mr. More todos os anos levavam flores amazônicas para enfeitar o túmulo do pai. Eram as preferidas do velho que foi enterrado em Fort Worth, mítica cidade do Velho Oeste. Na lápide, a frase “God above all, USA above all” (Jayr), elas não entendiam muito bem, mas sabiam que o pai havia orgulhado o repulsivo BIG REDE PIG no início do século XXI, a importância do pai na história da CIA era publicamente reconhecida. Em difícil momento para os EUA, quando as riquezas do mundo capitalista andavam escassas e o sistema de capital parecia ter alcançado o seu limite, Mr. More executou o programa SHIT B para conquistar a imensa floresta agora cercada pela muralha construída em 2040. As crianças americanas encantavam-se com o boto-cor-de-rosa e o peixe-boi durante as férias escolares, animais nativos do sul estadunidense. As filhas Eduarda, Carla e Flávia cujos nomes homenageavam um grande amigo do pai sabiam que o velho havia colocado o Brasil a salvo da ameaça comunista e dos perigosos marxistas, embora tenha se tornado um país muito empobrecido e faminto. A PETROUSA era motivo de orgulho para a América, o ouro negro era extraído da camada do pré-sal na antiga costa brasileira. A crise energética não era problema dos americanos. As flores do cemitério eram regadas por um moderno sistema de irrigação abastecido pelo aqueduto da AMAZONUSA, empresa americana que atuava no comércio mundial de água potável, bem tão escasso na década de 2060. No lado brasileiro, agentes da CIA monitoravam a guerrilha protagonizada por insurgentes nordestinos pertencentes ao LUL1FREE. O movimento lutava pela reforma agrária e revogação da lei nº 17.666/2020, que autorizou a ilimitada compra de terras por estrangeiros. Nos altiplanos brasilienses, a capital Bolsonarília seguia o monótono ‘lei e ordem’. Vez em quando, alguns juristas mais saudosistas visitavam discretamente o Supremo Tribunal Federal, subornavam o cabo para entrar no prédio em ruínas, fechado em 2032. No Monte Roraima, a Bolsolândia recebia turistas do mundo inteiro, a dificuldade na obtenção do visto não impedia o acesso da pequena elite tupiniquim ao parque de diversões que celebrava as coisas mais idiotas do planeta. O SHIT B fazia sucesso entre os adolescentes, monstros que usavam quepes e togas na tonalidade verde oliva assustavam a criançada.

[1] Andrey Régis de Melo

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