Relicário

Parte Cinco – O Ataúde

Sibéria, 13 de dezembro de 2060.

Andreiev Melochenko[1]

Mr. More agora era o braço direito do BIG RED PIG, o avilanado chefe americano. Aguardava impassível na antessala. O ambiente era familiar, admirava os quadros e as esculturas, pensava nas batalhas, invasões, quedas de governo, guerras civis; refletiu sobre quantas vezes os rumos da história foram modificados depois que ele atravessou aquela porta. Não sabia ao certo. A secretária conduziu o agente até o gabinete. O chefe grosseiramente reclamava dos erros do programa SHIT B, “como o cara fala merda sem parar”, “é o que temos, vai entender a cabeça do povo”, disse Mr. More. “Não vai participar dos debates”, sentenciou o chefe. Todos tinham certeza de que o escolhido apresentava o maior déficit cognitivo entre todos os participantes do SHIT B. No retorno à agência central, “Call the bishop”, ordenou Mr. More aos subordinados. Alguns dias depois, “22º22’60, “ok, 44º37’60”, yes”, o agente anotava as coordenadas sentado num vetusto sofá da boate Aletheia Clubs, em Juiz de Fora. A atenção da clientela voltada para as dançarinas era a cobertura necessária para os últimos ajustes antes da ressureição. Um americano em turismo sexual. Mr. Dalygnol seguia o manual e escolhia os locais frequentados por ébrios anônimos em desenfreado desejo de prazer. Apesar de fervoroso homem de fé e imaculada dedicação à família – ou talvez por isso mesmo –, de vez em quando, esquecia as regras de conduta e se deleitava com rapazes e moças no internacional mercado do sexo; depois orava e suplicava pelo divino perdão. A caminhada era longa, Mr. Dalygnol carregava material de sapa para desenterrar o ataúde. A vegetação era bem diferente daquela constante no relatório. Obviamente, as fotos do satélite não levavam em conta os 40 e tantos anos que distanciavam o enterro até o célebre momento do renascimento. Depois de um turno inteiro de escavação, encontrou o distinto objeto em perfeitas condições de isolamento térmico. Digitou calmamente o código de acesso recebido no Telegram: 2OLON1RO. Um único erro e o programa estaria perdido. Não havia necessidade de cobrir a cova novamente com a terra, o ilustre amigo saberia como não deixar rastros no terreno. O retorno foi de ônibus para o Paraná, uma rápida baldeação em Curitiba, e a saída pela fronteira paraguaia.

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[1] Andrey Régis de Melo

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