Relicário

Tenho vergonha

Tenho vergonha

Por Antonio Augusto Korsack Filho

Vergonha de ser brasileiro, sim, em um momento histórico como esse que estamos vivendo em pleno ano de 2019.

É tempo de solidificação de direitos, de respeito à diversidade, de atenção à ciência e à pesquisa, de tolerância, luta pela salvação do nosso planeta, de proteção às crianças (futuro do mundo), do combate à corrupção e às regalias indevidas que há décadas são mantidas e que servem para o benefício de alguns e para o aumento brutal da desigualdade social.

No entanto, todos os dias, sem exceções, inclusive aos sábados e domingos, lemos notícias de escândalos e de atitudes injustificáveis do Presidente da República, de seus filhos, seus Ministros e demais asseclas.

Como não ter vergonha quando o Presidente começa a defender o trabalho infantil e usa como exemplo casos que são incomparáveis, como o do filho que ajuda o pai rico em seu escritório e o menino que, antes de completar 10 anos, trabalha em uma roça no semiárido nordestino.

Como não ter vergonha quando o Presidente defende o desmatamento na Amazônia, brigando com o Instituto técnico que existe para cuidar da região e tomando providências que favorecem grileiros, invasores de terras indígenas, madeireiros, etc.

Além do desmatamento, a liberação de centenas de agrotóxicos antes proibidos no Brasil e que continuam proibidos na Europa e na maioria dos países do mundo, nos deixando mais propensos ao câncer e à morte prematura.

Como não ter vergonha de um governo que retira direitos dos trabalhadores e que acredita que os professores atrapalham a educação!

Um Presidente que deseja por o seu filho surfista como Embaixador no país mais importante e que deveria ser tratado com muita parcimônia e de forma estratégica para o desenvolvimento mútuo e não da forma subserviente que vem ocorrendo, inclusive com tietagem ridícula.

Um Presidente que manda retirar 80% dos controladores de velocidade das rodovias federais, sem ter nenhum cuidado com o mal que isso já está causando, pois visível o aumento dos acidentes e das mortes no trânsito. Aliás, para esse senhor, a cadeirinha de criança também parece ser um empecilho e deve deixar de ser obrigatória.

Mas se eu tivesse vergonha apenas do Presidente, se minha vergonha fosse somente por ser brasileiro nesse triste momento, seria mais fácil digerir. Todavia, está difícil suportar ver amigos e até parentes, pessoas que sempre foram coerentes, justas, corretas, defenderem essas barbaridades. A vergonha tem sido grande demais.

Talvez eu até esteja confundindo vergonha com tristeza, mas eu sei que esses dois sentimentos, unidos e entrelaçados, vêm contribuindo para que meu peito esteja dilacerado.

Se eu perguntar para qualquer um de meus amigos ou parentes a razão da defesa que fazem, certamente não saberão responder. Não terão argumentos razoáveis ou recorrerão às ofensas ao Lula, à esquerda, ao PT, etc.

Se eu perguntar para eles por qual razão dizem-se de direita, ou simplesmente a diferença entre a direita e a esquerda, não saberão responder.

Dirão que é coisa de esquerdista defender o meio ambiente e ser a favor da diversidade. Não têm eles a mínima ideia de que a defesa do meio ambiente nunca foi historicamente uma bandeira da esquerda, tampouco desconfiam que a diversidade e os direitos e garantias da liberdade sexual surgiram e se consolidaram em países conservadores como a Inglaterra e os Estados Unidos.

Tenho vergonha e guardo comigo imagens de amigos falando em kit gay e mamadeira de piroca (coisas que nunca existiram, mas que surgiram como verdades irrefutáveis na campanha de Bolsonaro).

Tenho vergonha quando vejo defensores do Presidente chamando seus opositores de comunistas sem sequer ter alguma noção do que seja o comunismo, sem desconfiar que a doutrina comunista acabou e que não há a mínima ameaça de ressurgir, muito menos no Brasil.

Tenho vergonha!

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