Crontos, cônicas e afins

Pós-modernidade

Praça Sete, região central de Belo Horizonte, 9:00 horas.

Dirijo-me para o serviço enquanto converso ao celular. O burburinho é ensurdecedor.

– Marque a reunião para as onze…

Uma buzina prolongada.

– Hein, Marcelo? Não escutei, me desculpe… Eu…

Freada brusca.

– Hein? É… eu tô no Centro… Sei… Sei…

Ambulância.

Carro de polícia.

Outra freada.

– Hein? Não tô te escutando, Marcelo… Eu sei que seria às dez, mas… Tá bem! Dez e meia.

Fechei o aparelho celular e olhei para os lados.

De repente, silêncio absoluto.

A turba continuava seu movimento. Via as bocas se mexendo, umas se dirigindo às outras. O motorista do ônibus, com a cabeça para fora do veículo, gesticulava e parecia xingar o ciclista, mas não havia palavras.

O velho com a placa de “raCopm-es rOuo”, olhava para mim, abrindo e fechando sua boca murcha.

Esbarrei no sujeito do i-pod, que vinha mexendo as pernas e a boca num ritmo imaginário, que olhou para mim, mexeu a boca com o dedo em riste e saiu dançando.

Alguém levantava uma bíblia, olhava para o céu e abria muito a boca escura como um vácuo. Parei, me concentrei, mas não consegui ouvir nada.

Nenhum som, nenhuma palavra.

Era como se minha existência estivesse suspensa.

Senti uma vertigem, me apoiei numa pessoa.

Tentei pedir desculpas, mas ela parece não ter ouvido. Olhou para mim com cara de interrogação – o cenho franzido –, depois de pena – as sobrancelhas em parênteses. Mexeu a boca, virou as costas e seguiu seu rumo.

Parei em frente a uma loja de eletrodomésticos, vários televisores expostos. O chef cozinhava, manuseava uma longa colher de madeira com a mão direita, gesticulava com a esquerda e mexia os lábios olhando para uma mulher de meia idade com o cabelo arrepiado e a cara esticada, que parecia gargalhar, mas sem o som.

Nova vertigem, desta vez mais forte.

Caí.

Uma multidão se formou em volta de mim.

Todos me olhavam com ar de espanto, mexendo suas bocas freneticamente, enquanto olhavam uns para os outros e depois, de novo, para mim.

O homem da bíblia, ajoelhado, projetava os lábios e o corpo para frente segurando o livro com as duas mãos como que para se proteger de um inimigo invisível. Depois colocou o livro sobre mim, ergueu o braço esquerdo, olhou para as pessoas à sua direita e passou a mexer a boca, ora abrindo muito, ora mantendo-a semi-cerrada. 

Tentei gritar e lajfhuia\njuhakuhgkajbrfakrbajhrbg.

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