DesconversasRobert de Andrade

Editorial: O apocalipse impublicável

A última edição da revista impressa Os impublicáveis, atendendo a sua inconstante periodicidade, foi lançada em abril de 2013. Esse número trouxe como principal temática a mídia e seu editorial alertava para o fato de que somos, ainda, incapazes de transformar sujeitos inanes em ativistas ferozes, desses que encontramos diariamente escondidos em seus quartos enquanto berram nas mídias sociais, apoiando campanhas contra o uso indiscriminado de gentiliza.

A revista veio antes das manifestações que começaram no mês junho, em São Paulo, depois do aumento das passagens, e se estenderam até a Copa do Mundo no ano seguinte. Infelizmente, não fomos tão proféticos quanto se poderia supor. Na verdade, parecíamos inspirados pelo diabo, que mais sabe por ser velho que por ser diabo.

Senão, vejamos. Naquela edição, Cind Canuto apresentou o texto “Meu espaço público,” tratando da apropriação desses espaços que confrontam diversidades e dos riscos em não saber distinguir o público do privado. Nada mais atual.

Passadas as eleições, veio a verborreia inconformada com o resultado das urnas e potencializada pelo espaço que a grande mídia deu aos incautos. Ora, em um texto premonitório escrito por Barroso da Costa e publicado nesse mesmo número da Os Impublicáveis, Barrosão já nos alertava no título com um “Pai, afasta de mim este fala-se” e emendou: Se de nada se podia falar antes, hoje de tudo se fala, mesmo que não haja o que dizer. A tão reclamada liberdade de expressão perverte-se em libertinagem, pornografia tagarela. Todos se sentem autorizados a dizer de tudo publicamente, como se quaisquer opiniões a respeito de qualquer coisa fossem dignas de se transformar em discursos.

Mais adiante deflagrou-se a crise política e econômica. A oposição ao governo só via um caminho: o impeachment, mesmo sem um motivo real, a não ser a derrota nas eleições. A ideia ganha corpo quando milhares de pessoas vão às ruas pedir o impedimento da Presidenta. No entanto, esse magote não é, e tampouco representa, toda a população brasileira.  É evidente que as manifestações devem ser respeitadas e até reverenciadas como uma prerrogativa democrática, mas tão certo quanto isso é o fato de que nem todos os brasileiros estão ali representados.

A fragilidade do movimento começou a se mostrar na falta de substância e coerência daqueles que foram eleitos símbolos dos atos. Cunha foi o primeiro a receber apoio, mas só durou até aparecerem suas contas na Suíça. Depois surgiu nosso primeiro herói de toga, Joaquim Barbosa, que se aposentou logo em seguida. Aécio, se não ficou em primeiro nas eleições, já foi reverenciado como o mais citado na Operação Lava Jato. Agora, além de gritar o nome do Juiz Sergio Moro – o mais novo herói de toga que parece se julgar acima da lei -, há uma turma batendo continência para figuras como Jair Bolsonaro, tal qual previa o meu texto para Os impublicáveis “Que saudade do General”: Enquanto muitos daqueles que lutaram pela liberdade de expressão em nosso país se debatem em seus túmulos ao assistirem a sociedade trocar o livre-arbítrio pelo culto ao supérfluo e a celebração da tragédia pós-moderna, aqueles que ainda estão entre nós parecem sofrer da Síndrome de Estocolmo, acatando cegamente as ordens da grande mídia.

Como já alertado anteriormente, essa emblemática – pelo menos para nós autores e editores de Os impublicáveis – edição da revista, intitulada: “Precisa gritar?”, não é um presságio da tragédia e sim a narrativa de algo que começou bem antes do que imaginamos. Porém, nunca é demais expressar nossa posição de tempo em tempo, atentos às causas sociais e irredutíveis quando se coloca em risco a democracia brasileira.

 

Robert de Andrade – Editor

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