Entrevistas

Entrevista com Renato Godá

Hermann Hesse, no livro “O jogo da contas de vidro”, afirma que a decadência musical é um sinal seguro da decadência do governo e da nação. Numa época em que em o ridículo já foi ultrapassado pelo extremo mau gosto musical, encontrar um músico como Renato Godá nos enche de esperança.

 

Ele não tem biografia na Wikipédia, nem site oficial. Em sua página do Facebook não encontramos apenas releases e agendas de shows, mas um Godá músico, pai coruja dos filhos Gabriel e Tom, não tão durão como os personagens de suas músicas e nem tão distante. Afinal, uísques e cigarros são bem-vindos.

 

 

Os Impublicáveis – Você tem um cuidado especial com as letras das suas músicas. Qual a relação da literatura com seu processo criativo?

 

Renato Godá – Não posso dizer que a literatura tenha uma influencia direta no meu trabalho, afinal escrevo letras de musica que é uma linguagem diferente de escrever poesia, crônicas, contos e etc. Mas claro, talvez por ter sido um jovem e assíduo leitor tenha me interessado mais pelas palavras.

 

Os Impublicáveis – O malandro clássico sempre esteve presente nas músicas de Chico Buarque, muitas vezes com certo saudosismo. Podemos dizer que nas suas composições encontramos o malandro pós-moderno?

 

Renato Godá – Algumas pessoas dizem que sim, mas honestamente não é uma questão que eu foque ou me preocupe quando escrevo minhas musicas. Vivi muitos anos varando madrugadas e é natural que esta atmosfera acabe sendo recorrente no meu trabalho, ainda que com “certo saudosismo” hoje em dia.

 

Os Impublicáveis – Grandes escritores como Bukowski e Baudelaire tiveram o álcool como parceiro. Conte-nos um pouco da sua relação com o uísque.

 

Renato Godá – Gosto de beber, mas nunca pretendi fazer da bebida um aliado ao meu trabalho. Não escondo meus vícios, meus prazeres, meu melhor lado nem os meus defeitos em cena, no que escrevo ou na vida. Já fui bem criticado por beber durante minhas apresentações e até mesmo fora delas. Já ouvi que sou uma má influência e coisa e tal, mas bem maior do que a questão do álcool, se tivesse o poder de influenciar em algo, preferia que fosse na forma sincera e sem pose que aprendi a encarar a vida.

 

Os Impublicáveis – Por um lado a internet tem acabado com a “aura” de alguns artistas, por outro encontramos pessoas como você que se expõe com muita naturalidade, sem misancene. Qual a importância das redes sociais no seu trabalho?

 

Renato Godá – A internet possibilitou que as pessoas tivessem acesso ao meu trabalho para gostarem ou não dele. Comecei numa época em que isto era impossível sem o auxilio de gravadoras, empresários, críticos, rádio, imprensa, TV e etc. Só neste ponto já considero uma ferramenta enorme. Porém o melhor é que mesmo sem fazer alarde, afinal não tenho nem site oficial, as pessoas foram aos poucos conhecendo, se interessando pelo que escrevo e se tornando as maiores e melhores divulgadoras da minha musica e de algumas desmintas opiniões. Gosto muito que seja assim, que aconteça de forma natural como toda relação verdadeira deve acontecer.

 

Os Impublicáveis – Ser um músico independente no Brasil, hoje, é mais por uma questão estética ou de mercado?

 

Renato Godá – Não sei como é pra todo mundo. Pessoalmente as poucas propostas de gravadoras que recebi na vida até hoje não pareceram interessantes. Sem dúvida os tempos são outros, consigo ser um artista independente e viver com dignidade do meu trabalho, mas não tenho nada contra o mainstream, muito pelo contrario acho ótimo que exista e possa viabilizar carreiras de tantos artistas que me agradam e até dos que não me agradam. Tem espaço e caminhos pra todo mundo, e pra qualquer gosto, eu acho isto bem bacana hoje em dia.

 

Os Impublicáveis – Você vive experiência de ser pai de um filho autista. O que sua relação com Tom te ensina? Esse aprendizado se reflete em suas composições?

 

Renato Godá – Tenho dois filhos, o Gabriel Garcia de 20 anos que é um super talentoso artista plástico, e o Tom de 5 anos que é autista. Os dois, cada um da sua forma transformam a minha vida diariamente. O autismo com certeza é uma questão seríssima e que precisa ser olhada de perto, mais divulgada, melhor discutida, afinal a falta de informação em relação a este assunto no Brasil ainda é ridícula e absurdamente superficial. Mas eu teria que escrever uma resposta imensa pra falar sobre este tema, então prefiro sintetizar e dizer que independente da influencia x do meu filho artista, ou y do meu filho autista, a intocável e enorme relação de amor que temos bem construída entre nós é a maior e mais bela influencia no meu trabalho e em toda a minha vida.

 

Os Impublicáveis – Sua influência musical tem muito a ver com estilo cabaré dos anos 30. Qual sua relação com este tipo de música?

 

Renato Godá – Acredito que esta impressão venha do “Canções Para Embalar Marujos”, porque é um disco ambientado num universo de cais de porto que era a atmosfera que melhor definia o que eu pensava e tinha pra dizer na época. Tenho que ser bem sincero com você. A verdade é que não sei praticamente nada sobre Cabaré dos anos 30 (risos). Quando você é um artista desconhecido e a imprensa tem que te definir para o publico, precisa referenciar e te colocar em alguma prateleira. Me lembro que a primeira vez que ouvi isto foi nesta época, até achei legal e devo ter me apropriado e dito isto algumas vezes para tentar explicar meu trabalho (risos), mas na época o que eu ouvia muito era Goran Bregovic, porque estava apaixonado pelos filmes do Kusturica e eles são parceiros em trilhas e tal. Como o Bregovic não é um cara tão conhecido também diziam que remetia a Tom Waits, também Leonard Cohen e Gainsbourg, talvez em função das letras, enfim. Mais uma vez sendo sincero também achei legal entrar nesta prateleira, são artistas que eu gosto e ainda podiam ter me colocado em outras que seriam uma vergonha (risos). Teve até uma coisa curiosa, um maluco qualquer da internet disponibilizou meu primeiro EP que se chamava Renato Godá, com o titulo “De Modo Tom Waits” na capa e foi um sucesso. Se conhecesse este cara contrataria pra ser meu divulgador, porque nunca um trabalho meu foi tão bem espalhado quanto este.

 

Os Impublicáveis – A faixa etária do público que acompanha seu trabalho é bem variada, mas percebe-se um crescimento por parte dos jovens. Como você vê isso?

 

Renato Godá – Você tem razão, acontece sim o crescimento de um publico mais jovem, e cada vez mais jovem nos meus shows. Vejo com muita felicidade. Nunca me preocupei em atingir este ou aquele publico, ou em segmentar de alguma forma o meu trabalho. Só posso me sentir realizado e grato quando percebo que a musica que escrevo produz sentido pra alguém independente de idade, classe social, credo, raça ou o que for. Que venham todos sempre, minha casa estará sempre aberta pra quem quiser chegar.

 

Essa entrevista contou com a colaboração de Vinícius Rocha e Robert de Andrade.

 

 

 

 

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