Robert de Andrade

A metáfora da escrita nômade  

Os nômades são divididos, basicamente, em dois grupos distintos, os caçadores-coletores e os pastores. Ambos não têm uma habitação fixa e permanentemente mudam de lugar. A partir do comportamento desses grupos sociais, farei uma analogia com a leitura e escrita nos suportes tradicionais e no ciberespaço.

Para pensar na produção literária e leitura em espaços tradicionais, também pegarei com exemplo os agricultores que se mantêm fixos em um determinado lugar onde se cultiva a terra, usam técnicas pré-estabelecidas e produzem dentro das limitações do solo em que certos tipos cultivos não são possíveis. Com base na relação com o plantio, a definição hierárquica das habilidades e o convívio social, é formada a “cultura” dessas comunidades. Observando a cultura, como um sistema de símbolos compartilhados com que se interpreta a realidade e que dão sentido à vida dos seres humanos, nessa situação ela estaria estruturada e diretamente ligada ao espaço de convivência, aqui, fixo e estabelecido. O processo de escrita e leitura dos símbolos disponíveis nessa comunidade, é estabelecido pela quantidade de tipos de “textos” a que se tem acesso; o espaço limitado pelo qual se trafega, como o texto impresso, que embora a leitura nos possibilite um tipo de navegabilidade ao criar conexões mnêmicas com o nosso repertório, por “requerer movimentos cooperativos, conscientes e ativos da parte do leitor” (Eco, 2004), está preso ao suporte, o livro; pela forma e o contexto da apropriação simbólica.

Os nômades, embora não tivessem habitação fixa e mudassem constantemente de lugar, ignorando até as fronteiras nacionais, seus percursos não podem ser considerados, de todo, errôneos, pois eles sempre estavam à procura de novos espaços que suprissem suas necessidades. Os nômades caçadores-coletores normalmente não possuem estruturas sociais hierarquizadas e não desenvolvem nenhum tipo de cultivo; suas habitações são construídas com materiais encontrados na natureza, bem como a alimentação que pode variar de acordo com o tipo de plantas e caça disponíveis no espaço e tempo em que eles estão. Conquanto façam uso de objetos como a cerâmica, essas comunidades não os produzem, sendo obtidos por meio de trocas.

Diferente dos agricultores que tem a cultura formada em um espaço definido e um contexto pouco mutável, a formação cultural dos nômades é baseada nas trocas simbólicas; na apropriação de traços da cultura de outros povos, como no uso de objetos que foram produzidos por integrantes de uma comunidade completamente distinta da sua e re-significado em um novo contexto; há uma ruptura das barreiras espaciais e temporais, como mudassem de um lugar ao fim da estação, buscando sempre uma região que estivessem no período do verão. Sendo assim, a escrita nômade se dá em espaços imprevisíveis e indefinidos, através da colaboração, apropriação e re-significação, como se em cada lugar que o grupo se estabelecesse, por certo período, deixasse escrito na pedra um fragmento de texto, que seria completado em outra pedra em outro lugar e assim sucessivamente. Já a leitura desse hipertexto dificilmente seria percorrida da mesma forma com que foi escrita, pois não um mapa indicando o caminho da leitura, no entanto se tornaria mais significativa no momento em que o leitor complementasse o fragmento de texto encontrado na pedra, com a produção de outro texto em outra pedra e em um lugar diferente, conectando-se a pedra anterior. Assim, “conexões e reinterpretações serão produzidas ao longo de zonas de contato móveis pelos agenciamentos e bricolagens de novos dispositivos que uma multiplicidade de atores realizarão” (Lévy, 1993). Mas nem toda leitura hipertextual produz conhecimento ou experiência significativa, o ciberespaço não fará tudo pelo leitor, assim como existe o nômade caçador-coletor, há também o nômade pastor, que sai em busca somente de pasto para seu gado e não de novas experiências.

Não um há como definir qual tipo de experiência, se com o texto escrito ou com o texto no ciberespaço, é mais significativa, pois elas se dão em diferentes espaços e em tempos distintos. Assim com o agricultor tem sua experiência voltada para o conhecimento do solo, do tempo e das técnicas de plantio, o nômade tem o conhecimento embasado na mudança, na descoberta de novos espaços e percursos que ele constrói.

 

Robert de Andrade

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