Robert de Andrade

DISCURSOS MONOSSILÁBICOS

Walter Benjamin, no texto “Experiência e pobreza” (1933), descreve o comportamento dos soldados sobreviventes da Primeira Guerra mundial. Os combatentes voltavam do front silenciosos. A linguagem da qual se dispunham não era suficiente para que eles transmitissem o horror vivido nas trincheiras, a experiência não podia ser assimilada em palavras. “Os livros de guerra que inundaram o mercado literário nos dez anos seguintes não continham experiências transmissíveis de boca em boca”. O ensaio de Benjamin além contribuir para investigação sobre o trauma pelo viés da psicanálise, anuncia o fim da narrativa tradicional. Tanto é que nesse período, início do século XX, surgem diversas vanguardas artísticas que propõem profundas mudanças estéticas.

Não há dúvida de que a Segunda Guerra Mundial foi mais devastadora que a Primeira, a começar pelo número de mortos e Estados envolvidos. O que não diminui a violência das batalhas de trincheiras, mas faz da Primeira Guerra é um apagão na história da humanidade, um incompreensível minuto de silêncio. A Segunda Guerra é rica em relatos, existem diversos registros que narram a barbárie de seus confrontos, que só foram possíveis pela revolução nas tecnologias midiáticas. O uso desses novos aparatos comunicacionais não se restringiu ao registro histórico, mas também foi utilizado como estratégia de Guerra, partindo da simples manipulação de imagem, a poderosa propaganda nazista, fazendo da informação a principal arma da Guerra Fria e chegando à transmissão ao vivo da Guerra do Golfo.

Com o fim da narrativa tradicional surgem novas expressões artísticas, correntes filosóficas e o avanço tecnológico, como que suprindo o trauma da guerra. Ocorre que “Uma nova forma de miséria surgiu com esse monstruoso desenvolvimento da técnica” (Benjamin, 1933): o empobrecimento da narrativa pós-moderna que culmina na submissão ao determinismo midiático. Eis que nos deparamos com a profecia de George Orwell nos textos que circulam pela internet. No livro 1984, o autor nos apresenta a Newspeak, um idioma desenvolvido a partir do adensamento e eliminação de algumas palavras e seus sentidos, com o objetivo de limitar nossa capacidade de raciocínio.

A condensação das palavras torna mais fácil a transmissão de um pensamento em 140 caracteres ou apenas o compartilhamento de uma ideia pronta, promovendo uma pulverização do bem comum. Com isso, não é de se estranhar que manifestações da magnitude que vimos no último ano não tenham uma causa clara. Ainda existem os veículos de comunicação de massa que se valem desse comportamento, lançando seus discursos monossilábicos e de fácil assimilação, vazios de conceitos, mas recheados de intenções.

Diante desse cenário, fica a dúvida entre ser o silencioso soldado que guarda para si sua experiência ou o pensador raso que grita sua revolta em meio a toda essa algazarra.

Robert de Andrade

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