Fábio Almeida

Ingratidão

 

 
 Vendi meu Chevete 78, sonho de juventude, para financiar o princípio de sua carreira. Morávamos num distrito de Muzambinho, onde nascemos, nos conhecemos ainda criança e começamos a namorar. Ela desejava muito, e eu por amor e admiração, não medí esforços para incentivá-la, queria que ela tentasse a carreira. Ela comprou a passagem e se foi.
  Foi para o Canadá, jovem ainda, quase menina. Conheceu um ‘cara’ que tornou-se seu empresário, e também ajudou-a muito no início da carreira. Naquele tempo, ainda na incerteza do futuro, ligava-me quase diariamente, sempre chorando, dizendo estar muito difícil, que queria desistir, que morria de saudades. Que desistiria de tudo e voltaria para os meus braços.
  As ligações eram sempre a cobrar, mas eu não a privava de estender as conversas, para dar-lhe um conforto, um consolo, sempre incentivando-a, dando apoio, dizendo que tudo era passageiro, que tudo iria dar certo. Que ela ira acontecer, brilhar muito, porque tinha talento. E que nos encontraríamos de vez, e seríamos felizes para sempre.
  Apesar dos meus dois salários mínimos, não me importava de mandar mais da metade para ela se manter lá, pagar as contas e se dedicar a cursos, ensaios e testes.
  E não foi em vão. Quase todas minhas previsões deram certo. Rápido, descobriram que ela era muito talentosa, uma “mina de ouro”. Fizeram algumas exigências, e ela não recusou. Trocou de nome, arrumou um novo registro com cidadania canadense. Aprendeu o inglês e francês perfeitamente. Esqueceu as origens e hoje não fala o português. Nem com sotaque. Seus shows chegam a custar 32 milhões de dólares por uma hora de apresentação. Jóias caríssimas, carrões, iate, um jatinho, mansões e até um castelo. Não me caibo de felicidade: _ Ela venceu.
  Mas…
  Depois de alguns anos, parou de ligar. Pior, nem sequer atendeu mais meus telefonemas. Nunca mais voltou a Raposos, nem ao Brasil. Nunca citou sua cidade natal, tampouco minha existência. Se acertou com o “tal” empresário”. Dizem que casaram-se e têm até filhos.
  Sofro, mas não me queixo. Acredito que o destino de cada um está escrito nas estrelas. Confesso que nunca deixei de amá-la, e faria tudo de novo, só para vê-la feliz. Não vejo reportagens, nem fotos, mas todos dizem que Celine Dion está linda.
  E não me pagou o Chevette.
Fábio Almeida
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