Barroso da Costa

O Time do Bairro

Quinique, eu, Valtinho, Pirica, Juninho e Dedé. No banco, Gaia, Cesário e Vovô. Este era o time que defendia as cores de um pequeno bairro, erguido para abrigar os operários de uma siderúrgica francesa que se instalou na década de 40 no interior de Minas Gerais.

Da construção do campo de espetáculo à escalação do time, tudo era festa. Três desciam até a beira do córrego e, munidos com um facão surrupiado da caixa de ferramentas do avô de alguém, tratavam de derrubar os bambus mais grossos. Dois ficavam encarregados de convidar o time do bairro vizinho para a inauguração do campinho, enquanto os demais cuidavam de derrubar um barranco de terra vermelha para providenciar a marcação do palco onde se daria o espetáculo.

Tudo isso começava no sábado pela manhã. Matávamos algumas jararacas e camundongos que infestavam o campo e, após algumas bambuzadas do Gaia em Pirica e de uma briga de torrões entre Juninho e Valtinho, o cenário já estava pronto. As traves eram tortas, as linhas assimétricas e, a bem da verdade, um time atacava descendo e outro subindo, o que era decisivo no momento do cara ou coroa.

Porém, estas circunstâncias não impediam que, às três e meia da tarde, todos nós fôssemos calçar os meiões que eram de nossos pais ou irmãos mais velhos, os tênis furados e as camisas de nossos times do coração. Faltando mais ou menos quinze minutos para as quatro horas, Pirica aparecia com a rede que pegava emprestada do pai e eu com minha bola de couro.

Colocadas as redes, iniciávamos o aquecimento chutando bolas à meta defendida por Quinique. O aquecimento era puxado, já que além de chutar bolas ao gol, tínhamos que pular muros e correr de cachorros para pegar aquelas que caíam nos quintais das casas vizinhas ao estádio. Às vezes, acontecia de quebrar uma janela e a bola não ser devolvida, mas isto não era regra.

O time do bairro vizinho – que nós chamávamos de Bolívia – chegava por volta das quatro horas, bastando isto para que os ânimos se inflamassem e começasse a troca de ofensas, que muitas vezes envolviam a mãe ou a suposta opção sexual do adversário.

Até uma pequena platéia se formava. Nosso público era constituído por uma fauna interessante. Uma minoria de colegas, indignados por não integrarem o escrete, além de muitos bêbados, que saíam ou eram despejados do bar ao lado, de onde eram habitués.

Bola rolando, alegria do povo, começava o espetáculo.

Acho que Quinique foi o arqueiro mais vazado que conheci, mas o time contava com a habilidade de Dedé, além da velocidade dos pontas Juninho e Valtinho, que, entre overlappings e rabos de vaca, conseguiam vencer a defesa contrária. Eu ficava responsável pela parte burocrática da organização das jogadas, enquanto a Pirica incumbia tirar as bolas do ataque adversário, a qualquer custo.

A partida nem sempre chegava ao fim de forma natural. Muitas vezes, passava-se do futebol ao caratê em questão de segundos. Ainda não conhecíamos o fair play. Era sopapo pra todo lado, inclusive entre craques do mesmo time. O embate só acabava quando uma das mães dos então caratecas chegava à beira do campo desesperada, já que tinha ido chamar um dos jogadores para jantar e acabou se deparando com um combate de luta livre, em que não se vedava a utilização nem mesmo dos bambus das traves ou das pedras que seguravam as redes.

Findo o confronto, o time que estava perdendo já marcava a revanche, com promessas de que o placar ia ser revertido, tanto o da partida de futebol, quanto o do confronto físico.

Se íamos vencer a próxima, não sabíamos. Só tínhamos a certeza de que, por volta das sete horas da noite, após o jantar, estaríamos no banco da pracinha do bairro, fazendo a resenha das jogadas e dos socos, já planejando as estratégias para a partida do dia seguinte, alimentando a fantasia que embala o sono de boa parte das crianças e adolescentes brasileiros: o de, um dia, ser jogador de futebol.

Barroso da Costa

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