Barroso da Costa

A FÁBULA COMO ELA É

Era uma vez, num lugar não muito distante, uma nação formada somente por crianças.

Nesta creche, digo, neste país, uma coisa chamava a atenção: enquanto poucas crianças possuíam muitos brinquedos, fraldas e bicos, a maioria não tinha nada com que brincar ou satisfazer seus desejos mais básicos.

Assim, com o passar do tempo, percebendo que a minoria abastada de crianças só brincava entre si e cada vez tinha mais brinquedos, fraldas e chupetas, as crianças menos afortunadas começaram a ficar inquietas e resmungar.

Algumas choravam, outras gritavam e havia aquelas que passaram a bater nos coleguinhas mais ricos para tomar seus brinquedos.

Muitas das crianças consideradas violentas foram colocadas num cercadinho, onde, além de não haver brinquedos, também não havia papinha suficiente ou berços para dormir.

Entretanto, esta medida não produziu a intimidação desejada e, do lado de fora do cercadinho, as crianças que não tinham brinquedos continuaram a tomar os que pertenciam à minoria de coleguinhas.

Sentindo-se acuados, os garotinhos e as garotinhas com mais brinquedos, que geralmente tinham a pele mais clara, reuniram-se e decidiram fazer uma proposta a alguns dos infantes que não possuíam com que brincar: em troca de algumas chupetas e fraldas, estes se encarregariam de jogar no cercadinho as crianças que fossem pegas surrupiando brinquedos.

Resultado: o cercadinho ficou superlotado e as grades já não eram suficientes para segurar a meninada.

As criancinhas bonitas não reconheciam que as feias só queriam brincar com os carrinhos importados, vestir as fraldas de grife e beber o leite dos melhores peitos do mundo. Então, egoístas como são as crianças, a minoria dos branquinhos continuou sem repartir seus brinquedos com os pequeninos mais sujos e escuros.

A situação ia ficando cada dia mais insustentável e a tensão passou a tomar conta da creche, digo, do país.

Um dia, durante um chororô intenso devido à falta de chupetas, as crianças que estavam no cercadinho passaram a arremessar suas fraldas sujas contra as crianças brancas e, principalmente, contra aqueles bebês contratados para colocá-las atrás das grades.

Em meio a uma chuva de panos cheios de material esverdeado, pastoso e mal cheiroso, uma menininha lourinha, ao melhor estilo “bebê Johnson”, tatibitateou: “se aquelas cliancinhas não têm chupetas, por que não chupam os dedinhos?”.

Fim. 

Barroso da Costa

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