Robert de Andrade

Mais uma fobia

 

O documentário, ou seria ficção – uns o classificam como documentário de ficção, outros de docudrama –, pergunto-me, ao tempo em que falo de Filmefobia, último longa dirigido por Kiko Goifman. No entanto, quem assiste ao filme tem a impressão de que Goifman é quem está sendo dirigido por Jean-Claude, personagem de Jean-Claude Bernardet.
Sem caber em classificações, pode-se afirmá-lo simplesmente como um filme sobre fobias que põe em questão o processo criativo, rompe os limites entre a ficção e o documentário, além de subverter as lógicas de produção desses dois gêneros. Durante debate na 12ª Mostra de Cinema de Tiradentes, Kiko sustentou que a razão pela qual não se pode definir o filme como documentário é o fato de ele não se fechar em um conceito sobre o tema proposto. Porém, o argumento do diretor não se mostra suficiente para tirar Filmefobia do campo do documentário, pois fica claro o uso de técnicas próprias desse gênero, ainda que também fiquem explícitos, principalmente na segunda metade do filme, os elementos ficcionais.

Fato é que o filme já foi exibido em diversos festivais, sendo indicado como documentário na Dinamarca e ficção em Cuba.  

Pode-se assisti-lo como a um filme de ficção que usou recursos do documentário, nesse sentido valendo apontar a opção por não usar um roteiro fechado, mas somente um guia de filmagem, bem como o fato de os atores não terem seus nomes mudados no filme, para ele trazendo situações de sua vida real – como o diretor que tem fobia de sangue e se torna personagem da sua própria obra, chegando a desmaiar duas vezes durante as gravações. Por outro lado, podemos assistir a Filmefobia como um documentário que teve uma interferência excessiva do seu propositor, que cria todas as situações apresentadas e usa diversos recursos dos filmes de ficção, principalmente na direção de arte, feita pela artista plástica e fotógrafa Chris Bierrenbach, que lembra os ícones do cinema bizarro, como o clássico Pink Flamingos (1972), de John Waters.

Para o personagem Jean-Claude, a única imagem autêntica, verdadeira e convincente é a de um ser humano diante de sua própria fobia. A busca da imagem real perpassa todo o longa, em que as cenas são “fabricadas” numa miscelânea de fóbicos, atores e atores fóbicos, em contato com seus medos, ficcionais ou não. O resultado são cenas cruas e sujas, com um tom sombrio, nas quais o pessoal da produção transita naturalmente diante das câmeras o tempo todo, o que muitas vezes parece ser um processo de desconstrução do filme, propondo uma nova linguagem, que permeia o processo da criação cinematográfica.

Filmefobia não desestabiliza somente os espectadores, mas desarticula qualquer metodologia classificatória da produção áudio-visual. Ao deslizar inapreensível entre as formas pré-estabelecidas, embaralha os rótulos e as possibilidades de representá-lo, assim confundindo quem tenta encaixá-lo em um gênero.

A narrativa é truncada e marcada por contrastes. Num primeiro momento, a ação é incitada, sugestionada e provocada na intenção de se chegar ao confronto entre o fóbico e sua fobia; no momento seguinte é que se têm as reações, porém sobre estas já não se tem qualquer controle ou previsibilidade.

O longa foi montado à semelhança do que faz nos filmes produzidos a partir de arquivos, como confirmado pelo próprio diretor durante o debate. Segundo Goifman, ele gerou imagens para uma espécie de arquivo de fobias, o qual depois acessou para a montagem do filme. Aliás, vale ressaltar que Bernardet já dirigiu vários filmes nesse formato. Assim, mais uma vez o Filmefobia se aproxima do documentário, pois, se valendo da metalinguagem, Jean-Claude atua como o diretor do documentário que há dentro do filme.

Verdades e mentiras à parte, é interessante observar a força sinestésica que o filme traz. Em um dado momento da história, Jean-Claude indaga sobre possibilidade de se criar uma situação fóbica, em que ator ao interpretar uma determinada cena passe a viver sua fobia. É nesse ponto que o título faz jus à obra, já que, no meio da exibição, várias pessoas deixam o cinema, não porque acharam o filme entediante ou de mau gosto, mas simplesmente por sentirem a necessidade de sair dali ou por não conseguirem mais olhar para a tela. É como se a soma das inúmeras fobias que constituem o filme fizesse com que alguns expectadores acabassem por sentir fobia do Filmefobia, mas é sempre bom lembrar que o que é fobia para uns também pode ser filia para outros.

Robert de Andrade

Os Impublicáveis

Previous post

Entrevista com Goyatá

Next post

Redes