Entrevistas

Conversa com Ziraldo (Camilo Lucas)

 Ziraldo está em casa, com uma camisa branca larga despojada, bermuda e chinelos, sem o indefectível colete, e desenha uma charge enquanto conversa comigo. Este é um privilégio do qual desfruto de vez em quando: ver o mestre trabalhando na intimidade do seu estúdio. E é sempre uma aula. Ele risca, desmancha, passa errorex, xeroca, retoca, e quando precisa passar para o computador usa os serviços de seu “mouseman” do momento, como ele gosta de chamar esta função. Ziraldo não tem saco pra computador. Ainda bem, pois seria injusto com a natureza ele deixar de finalizar todos os seus trabalhos à mão para ficar retocando no photoshop. Os trabalhos de Ziraldo geralmente não sofrem alterações no computador, que é usado apenas como ferramenta de finalização de artes.

Esta entrevista é uma conversa íntima sobre seus tempos de adolescente numa cidade do interior (Caratinga, como gosta sempre de apregoar). Realizada para o Diário de Caratinga e Jararaca Alegre, mas cedo pros meus amigos Impublicáveis. Sou cartunista e editor da revista, que começou como jornalzinho estudantil em Caratinga e sempre teve Ziraldo meio como que um “padrinho”. Em 2008, a Jararaca fez um lançamento conjunto com os Impublicáveis no Rio de Janeiro, no brechó “A Coqueluche do Momento”, nas laranjeiras, e Ziraldo fez questão de prestigiar, e não arredou pé do local enquanto a festa não acabou. Gostou particularmente dos meninos que tocavam Beatles. “Pra mim era disco”, disse ele, pois quando chegou não viu quem estava tocando… Mas vamos à entrevista! (Camilo)

 

ZIRALDO – Pergunta Um!

Ziraldo, a gente quer falar sobre a sua história…  Mas já tem uma pronta, ta com você, uai, depois você acrescenta! Eu já contei essa história tantas vezes, Camilinho, não sei por que você… todo mundo sabe minha história lá em Caratinga, sô! Eu era menino e desenhava história em quadrinhos, não sei se você também desenhava história em quadrinhos… era isso também que você fazia?

Ham-ham.  Minha vida é parecida… é igualzinha à sua, a gente tinha jeito pra desenho e vontade de fazer coisas. Você, como eu, você acha que o tempo que você gasta sonhando é o tempo que você gasta fazendo. Você acha que dá pra fazer uma revista, então você faz, pô! Você faz revista desde quando não se fazia revista em casa… Hoje, qualquer um pode fazer uma revista em casa, o pessoal tem computador, faz o cd e manda pra gráfica, pronto!

Então, eu desenhava feito um desorientado, desenhava o dia inteiro lá em Caratinga. Aí, tinha o Mário Andena – era um pintor que tinha lá em Caratinga, famoso, nunca ouviu falar nele não né? Um absurdo. Sogro do Dr. Archimedes. Pai da Yolanda – um pintor italiano, com uma qualidade… não sei o que ele foi fazer lá em Caratinga, um mistério! Agora o Dr. Archimedes morreu, não pode me contar o que o Mário Antena foi fazer lá em Caratinga…  Yolanda era uma moça bonita, alta, grandona… o que se chamava de “um mulherão”, na época; aí o Archimedes, que era o melhor partido de Caratinga na época, casou com ela.

Aí o Mario Andena falou com meu pai na época: “olha, estou vendo uns desenhos do seu filho aí… manda ele lá estudar comigo, vou ensinar ele a pintar”. Mas eu falei com meu pai, “você não entendeu p! nenhuma… eu não quero pintar, eu quero desenhar! Quero desenhar em jornal, eu quero…” não sabia o que eu queria, eu sabia que não queria pintar, naquela época. Mas eu desenhava com muita facilidade. E eu sonhava com o Rio de Janeiro, eu tava sonhando com história em quadrinhos. Eu tinha descoberto em Caratinga as histórias em quadrinhos, que eu achava fantástico. Eu posso até dizer que meus amigos de infância são o Batman, o Super Homem, a Mulher Maravilha, o Príncipe Submarino… o Capitão América, o Fantasma… então, eu ficava inventando heróis… ah, tinha também o Espírito, que era outra grande paixão da minha vida… e aí, quando foi em 48, eu tirei o ginásio, minha família toda tinha mudado pro Rio, meus tios, meu avô, só ficou mamãe e papai lá em Caratinga, e eu vim pro Rio, com meus cadernos de desenho debaixo do braço.

Mas aí, não tinha condição, não existia história em quadrinhos brasileira. Não tinha condições industriais que pudessem pagar um artista de histórias em quadrinhos, nem eu era um desenhista de história em quadrinhos do tipo do Zé Geraldo, feito o Fernando Dias da Silva, André Lebranch, desenhistas do Suplemento Juvenil, que desenham história em quadrinhos realista; aí eu fiquei sem saber o que fazer da minha vida. Claro, tinha que estudar, fazer o científico. Fiz o científico, aí no terceiro ano, cheguei em Caratinga e descobri aquela festa… eu não tinha namorada no Rio, aquela vida dura pra burro, trabalhando… fui passar férias em Caratinga e que barato!, festa, ah, vou voltar pra Caratinga!!! Voltei pra fazer o tiro de guerra. Naquela época, já começava a publicar minhas caricaturas na revista Sesinho, do SESI. Eu consegui publicar algumas coisas aqui no Rio, mandava lá pra Caratinga, colocava na vitrine da Futurista, do Carmo Viggiano… o pessoal ficou… o pessoal lá em Caratinga faz muita festa, sempre fez muita festa pros filhos de Caratinga que saem de lá, se eles sabem receber carinho, o povo dá muito carinho. Eu sempre fui muito carinhado lá em Caratinga. Então eu voltei e fiz o Tiro de Guerra em Caratinga. Depois, em vez de eu voltar pro Rio – tinha morado dois anos aqui – fui pra Belo Horizonte.

Meus amigos todos estavam em Belo Horizonte. Minha vida aqui no Rio era muito triste, eu não tinha ninguém, não tinha turma… eu sempre vivi muito em função de ter turma.

O “Vigapepizi” foi la em Caratinga ainda ou já foi em Belo Horizonte?  O Vigapepizi foi em Caratinga.Vigiano – Galileu – Pedro Vieira – Pimentel – Ziraldo. (N.E.: o grifo é meu) Era o nosso time de basquete, no tiro de guerra inventamos esse time, aí fomos fazer a olimpíada do tiro de guerra em Carangola, contra o tiro de guerra de lá. A gente perdeu o cabo de guerra, no futebol apanhamos de 13 a zero! Mas também lá em Carangola tinha campo iluminado, tinha estádio com luz de noite, o de Caratinga não tinha nem grama! Nem grama tinha, era careca o campo! Aí a gente resolveu se vingar no basquete. Em tudo a gente tinha perdido, o cabo de guerra foi uma vergonha, aí o sargento Schettini falou, “se vocês ganharem no basquete eu dou uma semana de férias pra vocês”… Ahá! Aí fomos lá em ganhamos… pelo “impressionante” escore de 26 a 18! Putaquipariu, o jogo não acabava nunca… faltava 5 minutos, o pessoal de casa “acabou ainda não!”, não deixavam acabar! No final fizemos 26 pontos. Jogamos uma hora de basquete pra fazer 26 pontos! (risos)

Aí, já desenhava, mandava umas coisas pra Cigarra, aqui no Rio, e fui pra BH pra fazer direito. Fiz direito em Belo Horizonte e desenhava pra Folha de Minas, pra Vida Infantil, pra Era uma Vez, e mandava meus desenhos pra revista A Cigarra, fazia uma página todo mês com os cangurus, era o único cartum na cigarra. Depois vim pro Rio de Janeiro, no último ano de direito. No quinto ano vim pro Rio. Continuei estudando em Belo Horizonte, sem freqüentar; fazia prova sozinho depois porque, como não frequentava, fazia segunda época. Aí formei em direito, e vim pro Rio definitivamente. Já casei, e comecei minha vida no Rio, e tudo aconteceu com a maior naturalidade. Já tinha desenhado pra O Cruzeiro, trabalhava em publicidade, depois fiquei anos no Cruzeiro, aí veio o golpe, depois no Pasquim, é isso aí, essa é minha vida…

Aí fiquei famoso!

Aí ficou famoso!! Quando você não era famoso ainda você era um cara querido né, porque você era sempre um… tipo a alma da festa né, o cara da turma que desenhava todo mundo, inventava moda…  Eu era o mais animado, eu sempre fui muito festeiro! Esse tiro de guerra em Caratinga, acho que foi o ano mais feliz da minha vida. Eu nunca me diverti tanto, era uma felicidade só!

Pegou muita guarda?  …as namoradas, tinha muitas namoradas… toda menina que ia passear lá em Caratinga a gente namorava… A gente ia jogar basquete em Governador Valadares, jogar basquete em Raul Soares, a gente namorava as meninas de lá… arranjei muita paixão, foi muito divertido, fundamos o Centro dos Estudantes, tinha muito piquenique, muita festa, era uma coisa muito inocente, porque… a quantidade de piquenique, a quantidade de festas, bailes… as moças que começaram o ano virgens, acabaram todas elas virgens! Ninguém comia ninguém, era uma coisa…

Era uma maravilha…  Uma coisa maravilhosa! Mas também tinha uma namorada na zona né, todo mundo tinha uma namorada na zona, as namoradas da gente a gente namorava até nove horas da noite, quando era nove e meia… aí deixava as meninas em casa e ia pra zona, entendeu? Com esse negócio, acabou tendo também uma tradição danada de o cara namorar na zona e acabar casando! Aí vai pra missa todo domingo, cria família… a gente lá, todo mundo quer casar, inclusive as moças que foram pra lá! Elas foram pra lá porque o pai expulsou de casa, ninguém foi pra zona por senvergonhice! Naquela época. A moça gostava do namorado, aí aperta daqui, aperta daqui, o namorado “fazia mal” à moça…

E quem era punida era a moça, né?  … o pai expulsava a moça, aí a Raimunda tomava conta dela, a Raimunda era cuidadosa, dava conselho pras moças, era… cuidava da saúde, da segurança das moças, a Raimunda, todo gerente de banco gostava dela, entendeu, ela tinha conta em todos os bancos de Caratinga! Era a “nêga” mais bem educada que eu já conheci na minha vida! Era uma vida de uma inocência, entendeu… todo sujeito bem situado na vida tinha uma “teúda” e uma “manteúda”. Era a “Casa Civil” e a “Casa Militar”. Todo mundo na cidade sabia, todo mundo aceitava… tinha os pais de família que tinham uma moça na Raimunda, a moça não saia, ia à missa as 5 da manhã porque… nunca ia à missa das 7… mas ia à missa!

A missa das 5 da manhã era a missa das “teúda e manteúda”? Igual tem a missa das 10, que é a missa das crianças?  Pra missa mais cedo iam as “piratas”… as moças todas com flores na cabeça, assim… era uma vida de freira que elas tinham, uma vida de freiras! Que elas viviam fechadas…

Em clausura…  Elas não saiam, elas tinham vergonha de sair na rua, os “coronel” não deixavam elas saírem, quem perdoava elas era o Monsenhor Rocha!

Tinha uma “linha tênue” que separava a vida delas da vida de freiras…  É! Só que as freiras, tadinhas, dormiam virgens, e elas não! Mas era uma coisa… tenho até o roteiro de um filme que eu quero fazer agora, fala mais ou menos… de vez em quando fugia uma moça com um rapaz, aí esta era “irrecuperável”… uma vez ficou uma moça na pensão da Lilina, lá no Barro Branco… aí a Lilina mandou chamar minha mãe lá, que a moça tinha de fazer umas roupinhas, ia fazer um enxoval, menina de uns 16 anos, bonitinha, e o sujeito de cara brava, mão pesada, disse “faz uns vestidos pra ela aí que eu pago!”, “cobra o que quiser que eu quero vestir essa mulher aí das melhores sedas”, o cara muito mais velho que ela, queria fazer quantos vestidos ela quisesse, e ela só pediu dois! E eu é que levava os vestidos da mamãe, embrulhados com aquele papel de seda, presos com alfinete, eu fui la na pensão da Lilina, que era atrás da igreja de São Sebastião, levar os vestidos pra moça.

Cheguei la, a moça tava sentada, bonitinha, toda tímida a moça, sentada assim na cama de casal, e o coronel em pé assim (bate os pés), com um cavalo maravilhoso lá fora, (imita a voz de coronel): “quanto é que é isso aêê!”, eu falei, é tanto, era bem… bem… é muito caro, disse a moça, e o coronel, “mas você mereeece… nada é caro pra voceee” aí eu saí, fui pra casa, o papai falou pra mamãe, “quanto você cobrou”? quando a mamãe falou ele respondeu, mas seu feitio é tanto, vc cobrou mais tanto?? E ela respondeu, “ele falou que podia, então eu cobrei uai!” (risos)

Aí, daqui a pouco, “pá pá pá!”, o que que houve? O pai e o irmão da menina deram uma corrida nele, não mataram não, deram uma corrida, ele fugiu deixando a moça na pensão, e os dois vestidos, ela levou pra terra dela lá…

Era muito romântica a vida, tenho muita saudade dessa vida inocente! Era outro… era outro… tinha todas as sacanagens da vida, muita mentira, muita hipocrisia, muita traição, o mundo não muda muito, mas vc reparou o que que é vc ficar assim um ano dançando, brincando com as moças, piqueniques, bailes, e não ter nenhuma moça “roubada”, nem uma moça “perdida”… então era muito engraçado, as moças casavam virgens! Essa era minha vida lá em Caratinga, minha vida era assim, eu não esqueço nunca!

O filme da Professora Maluquinha, que acaba de ficar pronto, fala desse tempo em Caratinga?  O filme da Professora Maluquinha é uma história das possibilidades da vida em Caratinga naquela época. A moça é inventada, todo personagem de ficção é inspirado em alguém, mas é inventado; tem uma aventura que não aconteceu, mas podia ter acontecido, é muito bonitinho o filme, e eu tô com um roteiro pronto, que vai acabar sendo filmado, chamado O Manto Sagrado, sobre o Flamengo, pra explicar por que o Flamengo é essa coisa, essa nação, são 36 milhões de pessoas pelo Brasil!

 

Eu lembro dos flamenguistas famosos lá de caratinga; tinha o guarda da cadeia, que o dia que o flamengo perdia, enchia a cara… era uma figura caricata, todo mundo gostava dele… aí quando o flamengo perdia, todo mundo fugia da cadeia, era fogo! Ele enchia a cara entendeu… mas… quando o flamengo ganhava ele descia pra cidade pra comemorar. Então esse filme ta pra ser filmado um dia…

Eu acho que Caratinga me forneceu muito material pra eu construir minha vida como artista. Eu sou capaz de desenhar com poucos erros casa por casa, da estação até lá no fim da rua São José… Da Raul Soares até a João Pinheiro, passando pela “rua da zona”… praticamente casa por casa, porque eu morava nela… e agora você imagina, eu moro nessa rua aqui há trinta anos e não conheço ninguém na rua… e de Caratinga eu desenho as casas todas.

O filme da “Professora Maluquinha” é livremente inspirado em sua infância em Caratinga?  Eu quero deixar claro que a historia não aconteceu em Caratinga nem é a historia de uma pessoa em Caratinga. A moça se chama Catarina Roque, que é uma homenagem à Cati, que era uma professora maluquinha… tem um monsenhor… É inspirado mas é tudo inventado! Quer dizer, o monsenhor tinha um menino que estudava pra padre, foi estudar em Roma, então quando ele chegou, padre Juquinha, pode ter apaixonado por uma das meninas da cidade, mas não fugiu com ela, no meu filme ele foge! Quer dizer, ninguém sabe se é com o padre, fica o mistério…

O filme é com a Paola Oliveira, que é a coisa mais linda que existe… nossa senhora… e ela é boa atriz sabe, ela ta matando a pau no filme! Mas engraçado é que o cara que faz papel de padre no filme, casou durante as filmagens, com uma moça, na vida real. O pessoal do elenco deu presente pra ele… e quando acabou o filme, no meio das filmagens, ele sumiu com a Paola e casou com ela! Largou a outra e casou com ela, ta casado com a Paola!!

Você podia falar um pouco do Pasquim…  Ah Camilim, vai amolar outro… Você conta a história do Pasquim, todo mundo sabe a história do Pasquim, num vai ficar chafurdando a história do Pasquim pô!

Não: “histórias” do Pasquim, causos…  Tudo que eu podia contar da história do Pasquim eu já contei… inventa outras perguntas Camilim!

Ta bom, então fala só sobre o bolo, quando você “comeu” o Pasquim! Sobre a lenda da aposta que você fez com o Jaguar, na eleição do Brizola…  Ah… eu tive que “comer” o jornal! O jornal acabou na minha mão e do Jaguar. Aí o Jaguar escolheu apoiar o Brizola (N.E.: eleição pro Governo do Rio em 82). Eu não achava que o Brizola era a solução naquela época, o PMDB é que era a solução naquela época; o MDB que tinha atravessado a ditadura toda na luta, quando o Brizola tava lá, no Uruguai, criando bois, tanto que o Brizola aceitou a volta dele com as condições impostas pelo Golbery: ele não entrou pelo Rio de Janeiro, ele entrou pelo Rio Grande do Sul, foi chegando devagarinho, tudo que os militares mandaram ele fazer ele fez, e a gente tinha aqui Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Franco Montoro, que fizeram a resistência, e esses caras eram o PMDB naquela época, eram os caras que iam fazer a transição. Então, aqui no Rio, o PMDB escolheu o Chagas Freitas, que não era o político que a gente queria, mas eu queria votar no projeto do PMDB, que na época era MDB, quando inventaram a lei casuística de ter de colocar uma letra P na frente do nome dos partidos, e o MDB ia ter de mudar de nome… eu que sugeri, “coloca Partido do Movimento Democrático Brasileiro”, e aí eu apoiei a candidatura do Chagas e o Jaguar a do Brizola.

Foi quando a gente apostou, quem ganhasse ficava com o jornal. E eu falei que comia o Pasquim se o Brizola ganhasse. Mas tava a cara que o Brizola ia ganhar! Eu fiz isso só pra movimentar, só pra… o Brizola tava arrasando.

Foi na mesma eleição em que o Agnaldo ganhou, não foi?  É! Foi o deputado mais votado do Brasil. Ele foi na cola do Brizola. Foi muito engraçado… Alô mamãe!!

 

Virou a até bloco de carnaval em Caratinga né…  Ele pegou o telefone na hora da posse no Congresso e saiu em toda a mídia nacional com o telefone na mão falando “Alô mamãe… eu to aqui no Congresso Brasileiro!” Ele teve uma idéia de gênio!! E eu perdi a aposta com o Brizola. Mas aí teve uma festa na Plataforma, eles fizeram um bolo com a capa do Pasquim e eu comi.

E no fim ficou a história: Ziraldo “come” o Pasquim…  O Jaguar gosta muito dessas coisas. Mas agora, o que eu posso contar pra você, depois de tanto tempo passado, é que o Pasquim foi um jornal “consentido”. Os militares podiam fechar ele, e não ia acontecer nada. Mas aí, alguns pensadores da ditadura, como o Golbery por exemplo, disseram “não, é preciso uma válvula de escape”, acabou que deixaram a gente contestar o regime mas todo dia, apreendia a gente, nós temos 18 processos, fomos presos três vezes, quer dizer, mas de qualquer maneira o jornal resistiu, deu um exemplo bonito pra uma geração, e foi um momento revolucionário na Imprensa brasileira, isso todo mundo sabe, eu não vou falar… naquela época ninguém escrevia (de forma coloquial)… você pega o Globo antes do Pasquim, o JB também , esse modo de fazer entrevistas aqui hoje, “risos”, não sei o que,  palavrão…

O Pasquim inventou o “piiiii” nas entrevistas brasileiras, né, que eram os asteriscos…  O Pasquim inventou tudo… Inventou não é porque era tudo genial não, inventou porque era tudo maluco na redação…

Mas o mais interessante – eu estive olhando a coleção de coletâneas do Pasquim que foi lançada recentemente – e a gente vê que o nível era muito alto mesmo, o nível dos textos, não era nada acadêmico, não era elaborado mas só tinha fera…  Só tinha fera, todo mundo era bom, não tinha ninguém mais ou menos não. O Paulo Francis escrevia pra burro… Flávio Rangel escrevia muito bem, Jaguar era muito bom humorista, eu fazia as coisas direito, Fortuna, Henfil, entendeu… o (Luiz Carlos) Maciel… quem mais…

Fausto Wolff! Tinha até Caetano Veloso escrevendo do exílio…  É, Caetano, Chico Buarque também, escrevendo da Itália…

E era bem humorado e até mesmo simpático, talvez seja por isso que a ditadura aceitou, assim…  Ele surgiu naquela hora, aquela coisa das coincidências históricas, do momento sabe, não adianta você tentar… eu tentei fazer um novo Pasquim, e eu sabia que a história só se repete como farsa, como dizia o Marx, mesmo assim eu achava que o Brasil tinha que ter um jornal político… eu acabei fazendo três revistas que ficaram inscritas na história do Brasil, que foi a Palavra, a Bundas e OPasquim21, e quebrei a cara…

Três projetos fantásticos. Pra sua biografia é muito bacana…  Todos os três tem várias teses universitárias sobre eles, todos três eram propostas originais, nunca teve uma revista parecida com a Bundas antes nem depois da Bundas, o mesmo pra Palavra e o Pasquim21, essas revistas como Trip, Piauí essas coisas todas, são cópias de projetos americanos… mas agora, toda vez que eu falo em fazer uma revista, a Márcia me mata!

Por que você não ajuda a gente a fazer a Jararaca Alegre então?  (risos) Agora eu quero é descansar a cabeça! Eu to pintando, você já viu, agora eu to pintando, eu e o Paulo Vieira! A gente pinta a quatro mãos, eu concebo, armo e ele me ajuda a pintar, e fica lindo!

Você quer falar alguma coisa sobre esses quadros?  Agora não. Todo mundo já sabe sobre esses quadros, é um segredo de polichinelo, mas só vou falar quando chegar a hora. (Os quadros acabam de ser expostos no Centro Cultural Banco do Brasil e são uma releitura dos “zeróis” que Ziraldo criou nas décadas de 60/70, matéria completa sobre esta expo você verá na próxima edição da Jararaca Alegre, em julho).

Entrevista realiada  pelo impublicável Camilo Lucas

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