Robert de Andrade

Meu Amigo Fausto

Eu sempre odiei os cachorros, mas eu nunca quis acabar com eles, a verdade é que eu nunca tive amor aos animais, salvo na panela.

Tenho quarenta e dois anos e vivo sozinho desde os dezesseis. Tive umas vinte mulheres e não quis me casar com nenhuma, no entanto, isso não significa que algumas não tenham morado comigo por um período. Entre uma mulher e outra eu ficava com os livros e umas doses de Vodka antes de dormir.

Os velhos da minha rua viviam me perguntando se eu não iria me casar. As beatas só faltavam fazer novena para Santo Antônio. Enquanto eu não dava a mínima para essa obrigação social. Preocupavam com a minha solidão, sem saber que um pouco de isolamento é necessário para o fortalecimento do espírito. As velhas riam das minhas esquivadas.

Os vizinhos eram bons vizinhos, afinal o máximo que um vizinho pode ser é bom vizinho, exceto o Sr. Gumercindo: um homem que fazia da solidão sua única razão de viver, ríspido e implacável.

“Bom dia, Sr. Gumercindo!”

“Não precisa me cumprimentar só porque sou seu vizinho. Vizinho não é parente”.

Pelo menos eu tinha ficado livre de mais uma obrigação inútil.

E assim a intermitência do amor me trouxe mais uma mulher que se deitou comigo, mudou os móveis de lugar e quis subir no altar. Foi embora depois de seis meses, preferiu um sujeito que estivesse disposto a constituir uma família. Antes de ir embora, ela ainda fez a sacanagem de me dar um cachorro, se disse preocupada com a minha solidão.

Eu preferia mil vezes o isolamento total a ter que passar a noite ouvindo o filho da puta uivar. Decidi que não iria lhe dar um nome enquanto ele não me deixasse dormir. Três meses depois, embora ele continuasse com os uivos, passei a chamá-lo de Fausto, uma homenagem infame a Goethe.

As velhinhas também deviam ter se acostumado com o barulho do animal, até brincavam com o bicho quando eu o levava para passear. Perguntavam-me sobre sua raça, mas nunca soube responder. Sr. Gumercindo passou a cuspir no chão ao cruzar meu caminho. Seu catarro estava cada dia mais verde, o que me dizia que em breve esse confronto teria fim.

Fausto aprendeu a me acompanhar na rua, sem a necessidade de coleira. Enquanto eu comprava pão, ele me esperava na porta da padaria, atraindo, vez ou outra, uma fêmea, para mim, é claro.

“Que lindo. É seu?”, perguntavam.

Um dia, aos atravessar a rua, Sr. Gumercindo acelerou sua velha Parati a uma velocidade jamais praticada por ele. Fausto morreu na hora, sem sofrimento. Fingi que o cachorro não era meu. Se fosse um policial ou um desses traficantes que ficam armados até durante o banho, teria dado tiro no olho do velho, daqueles que deixam o rosto deformado. Mas fingir que eu não dava a mínima para o que ele tinha feito, foi a única coisa que pude fazer.

Fui para casa, liguei para o serviço, disse que estava com uma virose, tomei uma garrafa de Vodka no café da manhã e dormi o resto do dia.

No dia seguinte trabalhei normalmente, talvez um pouco mais calado que o habitual. A tarde peguei o meu carro, que valia a metade do que o seguro havia avaliado, por falta de manutenção, e fui para casa.

No caminho me lembrei que o Sr. Gumercindo sempre cruzava comigo em uma Avenida próxima a minha casa. Parei o carro e fiquei esperando, quando o carro dele apontou há uns trezentos metros. Peguei minha pasta no banco do passageiro, coloquei-a entre o meu peito e cinto de segurança e acelerei o máximo que pude. Só senti um aperto no peito e um forte sacolejo. O velho morreu a caminho do hospital.

Tive que andar de ônibus durante um mês, até o seguro me dar outro carro.

Robert de Andrade

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