Barroso da Costa

socorro, eu não estou sentindo nada

Tudo havia começado logo pela manhã, enquanto tomava meu café.

Sentia-me meio estranho e, mal levei a xícara à boca, veio uma pontada pouco abaixo das costelas. A dor foi tão aguda que me enverguei, colocando a mão onde eu imaginava ter-se dado a estocada. A xícara quase me escapou.

Endireitei-me, ajeitei a camisa nas calças, bebi meu café num gole, peguei o paletó e tomei o rumo da garagem.

Descendo pelas escadas, notei que o desconforto permanecia. Do lado esquerdo, abaixo das costelas, as coisas não iam bem.

Aquilo me preocupava. Se a coisa se agravasse, talvez nem desse tempo de tomar uma atitude.

Passei pela faxineira, que me cumprimentou. Olhei para ela, letárgico, e balbuciei alguma coisa que estava longe de ser um cumprimento.

Ela perguntou se me sentia bem. Balancei a cabeça, afirmativamente, já entrando no carro.

Fazia calor, mas eu estava frio por dentro.

Afrouxei a gravata e dei a partida.

Saindo da garagem, liguei o rádio. Parecia que as coisas melhoravam. Já respirava melhor.

Cinco quarteirões à frente, uma nova pontada, muito pior que a primeira.

A boca secou instantaneamente. Tinha de voltar para a casa, era minha única esperança.

O suor descia pelas têmporas. Os pensamentos se cruzavam numa velocidade impressionante, mas as pessoas na rua pareciam estar em slow motion. Encerrei-me numa espécie de autismo.

No rádio, a Gal, com sua voz aguda como minha dor, cantava: “Socorro, eu não estou sentindo nada…”.

Tive ódio dela, mas não tinha tempo de tentar desligar o rádio.

Passei por um cruzamento sem parar. Olhando de lado, pude ver um motorista de táxi que lentamente projetou sua cabeça pela janela, ergueu o dedo médio da mão esquerda, mexendo a boca de uma forma raivosa. Mas eu não ouvia nada, além de sons guturais e desconexos.

Eu já quase não conseguia dirigir, meus braços pareciam sem controle. A dor tomava todo meu tórax e minhas entranhas faziam um barulho esquisito, borbulhante.

Comecei a salivar.

Entrei na garagem, parei o carro meio enviesado e subi, cambaleante, as escadas do prédio, sem responder ao que tinha me perguntado a faxineira, que parecia assustada.

Parei diante da porta dos fundos. O molho de chaves teimava em cair das minhas mãos trêmulas e suadas, mas consegui entrar no apartamento e chegar ao banheiro.

Apoiei-me na pia e, semi-consciente, caí sentado no vaso.

Puta-que-pariu, que dor de barriga…

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