Robert de Andrade

Pós-herói

Os super-heróis me ajudaram a entender que meus atos jamais teriam a magnanimidade necessária para salvar a humanidade do “mal”, ou seja, eu não vou conseguir mudar o mundo. Não o mudei, no entanto não deixei de tentar. Mais tarde, depois de matar o super-homem e o homem-aranha, voltei a pensar nesses sujeitos poderosos e narcisistas. A palavra super-herói, além de redundante, é também uma tentativa hollywoodiana de superlativar o herói. Do grego ‘hrvV, em latim heros, originalmente diz do protagonista de uma obra dramática. O herói grego, como sendo filho da relação de um Deus e um mortal, está na posição de semideus; já o super-herói estaria acima, mais próximo da condição de Deus, longe das mazelas humanas.

Tratando-se de uma das múltiplas representações divinas, necessita do antagônico diabo, razão pela qual se conclui que a utilidade do Batman ou do Capitão-América está intrinsecamente vinculada à existência de uma força contrária a ameaçar a América ou Gotham City.

O heroísmo faz parte da história da humanidade. Na mitologia grega, na literatura romana, chinesa clássica, persa, africana, sempre de forma análoga, o herói foi uma referência de superação e transcendência.

No século XX, as duas vertentes – heróis e super-heróis – distanciaram-se, passando o heroísmo a ser visto de uma perspectiva mais social e filosófica, com representação no operário, sindicalista, enfim personagens comprometidos com causas sociais e políticas, que combatiam o mal da corrupção e opressão; enquanto isso, os Super-heróis Americanos e ingleses esbanjavam dinheiro em carrões esportivos e armas ultrapoderosas.

Os heróis clássicos Héracles, Jasão, Eneias, que serviram de referência para os muitos sucessores, já não me despertam nenhuma ânsia de heroísmo; enquanto os Super foram reformulados e adaptados para a atualidade. Penso que, neste caso, me caberia então o anti-herói, posição contrária que, de fato, é bastante tentadora, lugar de sujeitos como Nietzsche, Baudelaire, Che.

No entanto, os anti-heróis também foram reformulados e, hoje, são chefes do tráfico. Não temem a morte e, ao contrário dos super-heróis, sabem que são mortais, mas também sabem que são admirados por centenas de crianças que não acham graça nenhuma nos X-Men ou no Incrível Huck. A criançada do morro já sabe que arma super-poderosa é fuzil AR-15, submetralhadora israelense ou PT-380.

Há também o heroísmo descartável que passa na TV, como os velhos episódios da Sala da Justiça, porém agora as personagens não usam o disfarce clássico, dispensam os atos heróicos e ainda assim são chamados de heróis em rede nacional por um tal Pedro Bial. Mas não é só Big Brother que dá oportunidade para que um zé ninguém se torne um herói descartável, o futebol, a guerra do tráfico, a música, os desfiles de moda sempre se encarregam disso.

Os heróis perdem o fascínio à medida que envelhecemos e passam a pertencer às lembranças da infância e da juventude. Já com relação ao pós-herói, que não é seu arquétipo ou antítese – mas o mais mortal de todos, aquele que tem os poderes limitados pelo curto salário e a falta de tempo –, quanto mais o tempo passa mais tem minha admiração. Suas atitudes são simples, mas tão difíceis de imitar quanto um vôo do Super-Homem. Ele sobreviveu a uma cirurgia para trocar a válvula aórtica, ele enfrentou ônibus lotados, as diversas crises econômicas, o desemprego e muito mais.

Mesmo sem super-poderes, encontrava tempo para me contar as peripécias de sua infância e, sem saber se declarar, me beijava, afinal o pós-herói não se gaba do que faz, ele apenas faz.

Robert de Andrade

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