Robert de Andrade

Os invisíveis

A matéria do sonho pode ser sentida, tocada ou até mesmo trazida para nossa suposta realidade. No entanto, o domínio sobre este campo da abstração requer uma longa jornada; deve-se ter uma vida miserável ou, no mínimo, monótona, a ponto de rejeitar a vida repetitiva que incide sobre nós quando estamos acordados, preferindo a que se desenvolve de olhos fechados – no sono. Quando criança, perguntei à minha mãe se todas as pessoas sonhavam. Sua resposta foi afirmativa; e se houvesse alguém desprovido de sonho, ela disse que esta pessoa seria considerada louca. Mais tarde descobri que mamãe estava redondamente enganada, pois os loucos não são os que não sonham ou os que sonham de menos, são os que não conseguem distinguir os sonhos da realidade – neste caso eu me enquadrava na configuração dos loucos. Há um momento – obviamente se nos dedicarmos com profundidade – em que conseguimos criar uma relação, até mesmo amistosa, entre o verossímil e o onírico. Ao atingir esta obscuridade, ou por que não dizer clareza de consciência, deparamo-nos com realidades fantásticas como: a menina que conseguia trazer para realidade bonecas encontradas em seus sonhos, o que fez com que levasse uma surra de sua mãe por achar que ela as vinha roubando de alguém; o velhinho analfabeto que ficou uma semana em coma, devido a uma queda, e, ao recobrar as faculdades mentais, trouxe consigo um vasto conhecimento sobre as línguas alemã, francesa, russa, catalã e inglesa; e também o caso daquele rapaz, cujo apelido era Carranca – por ser feio em demasia –, que não conseguia encontrar nenhuma namorada na sua vida acordada, no entanto foi buscar – e encontrou –, em um dos sonhos mais belos, a moça mais linda que já havia visto, com a qual saía pelas ruas abraçado, sem dar ouvidos para as pessoas que o chamavam de louco, pois ninguém a via, somente ele.

Ver o que os outros não vêem, ouvir os sons do silêncio, tampar os olhos e ouvidos para os gritos e acenos da moralidade, romper limites, dizer o que pensa, fazer o que sente, abandonar a culpa e sentir o gosto do beijo de alguém que você nunca beijou, são comprovações da materialização do sonho. “O caminho é a vontade”, dizia o escritor que ninguém via nem lia, porque estavam todos atrelados às suas visões padronizadas, mas ele estava ali e disse mais sobre seu estudo sobre a invisibilidade: “O entendimento acerca da invisibilidade é fácil, se observado inversamente. Se a principal motivação da busca é a materialização do sonho, o contrário podemos chamar desmaterialização da realidade. A morte é melhor exemplo, o fato de as pessoas deixarem de ser concretas não significa que elas foram eliminadas inteiramente. Aqui, não trato da existência ou não de espíritos, o que ocorre com os mortos é um retorno à condição abstrata, o mesmo estado em que se encontram os sentimentos. A desmaterialização somente pode ser considerada definitiva em um aspecto: o de que não há como reverter morte em vida concreta, entretanto podemos manter contato com os seres invisíveis nos níveis da abstração.” Desde a primeira vez que nos encontramos, o escritor que ninguém via nem lia, fez questão de frisar que Ele jamais fora um ser visível e, sendo assim, está suscetível a materialização.

Robert de Andrade

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