Barroso da Costa

Corno, porém honrado

“Chifre é igual a consórcio, mais cedo ou mais tarde você acaba contemplado”.

Sabedoria Popular

 Pronto. Virou moda. Primeiro, foram as mães histéricas que, imitando aquela que jogou um recém-nascido na Lagoa da Pampulha, passaram a abandonar seus filhos nos lugares mais inusitados, numa onda quase conversiva. Agora, o mais novo fenômeno seqüencial atinge moçoilos mineiros abandonados que, narcisicamente feridos com eventual pé-na-bunda, vão atrás de suas ex-namoradas com o intuito de lavar sua honra, enchendo a moça de chumbo e, não raro, se matando depois, sempre com a presença – essencial – de algum público.

Eis o ponto que interessa para a discussão que ora se propõe: a necessidade de público na passagem ao ato desses amantes rejeitados. Aliás, a esta afirmação segue a pergunta: será que a imprensa contribui de alguma forma para a repetição de crimes como o acontecido no campus de uma universidade belorizontina, neste início de abril, seguindo os padrões acima destacados?

A meu ver, a resposta só pode ser afirmativa. Assim como nos casos de suicídio – cena de desfecho de muitos desses crimes passionais –, a posição de vítima em que se colocam os namorados abandonados chama a atenção. Do mesmo modo, a exibição pública de seu martírio, em obscena tentativa de explicação para seu infantil ato de vingança. Só falta a carta de despedida e perdão àqueles que fizeram infeliz a vida destes pobres carrascos…

Se não fosse muito trágico, seria cômico. Um tosco desfecho para um teatro bizarro de pessoas (mal) educadas sem limites, que nunca se viram frustradas e, por isso, não aceitam nenhum tipo de “não”. A vontade do Eu que se sobrepõe a qualquer outro, de “o” bem minúsculo. Remotos e frágeis narcisos, como diria Raduan Nassar em seu copo de cólera.

Posto isto, voltando à participação da imprensa nesses fatos, entendo que haveria de se chegar a um acordo no qual fosse estabelecida a diminuição dos flashes para determinados casos, em nome da ética e também da segurança dos que esperam uma chance de exibir sua dor. Mas, principalmente, em respeito à vida e liberdade dos “objetos” de ilimitado sentimento de posse destes posers[1]. A ética não falou mais alto nos casos de suicídio? Pois bem, por idênticos motivos, esta também deveria ser a postura adotada nos crimes passionais praticados em locais públicos. Relata-se o fato em breve nota informativa – como cabe à imprensa jornalística –, e pronto.  

Porém, no Brasil, qualquer proposta que implique a mínima limitação – mesmo ética – à mídia em geral é logo taxada de censura, para ser apedrejada em praça pública. Vinte anos depois, como legado da censura imposta pelo regime militar, emerge um verdadeiro salvo-conduto retórico pronto a justificar qualquer abuso da imprensa. Digno de nota que, a propósito dos tiros desferidos à queima-roupa na moça, narrados em cores vivas pela mídia nacional, culpabiliza-se, nas entrelinhas, o sistema de segurança da universidade… Valha-me, Deus!

E, como é proibido tocar no assunto dos limites, a imprensa vem fazendo festa para os ônibus 174, o abandono de bebês em lagoas, a defenestração de crianças e o assassinato covarde de ex-namoradas. Afinal, é isso que dá audiência e vende jornal. Talvez isso repercuta até em nossos tribunais, onde, quem sabe, poderemos assistir à volta da tese de legítima defesa da honra, na mais cínica aplicação prática.  É… Doca Street fez escola: corno, porém honrado!

Barroso da Costa


[1] Fazedor de poses.

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